Wednesday, 12 January 2011

Memórias de um cárcere Vietnamita


Acordei numa prisão fétida no meio do nada, não era tão ruim quanto imaginava, creio por não estar tão cheia como as que costumei ver na tv em meu país. Pessoas me olhavam do outro lado do cômodo, hora com medo, hora em tom ameaçador. Já havia perdido a conta de quantos dias estava ali, poderia estar aproveitando as dunas lá fora, aquelas que um dia seguia passos de gente que haviam passado em direção ao mar, mar revolto e bonito que nunca imaginei ver daqueles lados e que vi de relance no caminho para a masmorra moderna.

Acendo um cigarro que teimo em tentar inalar e fazer todo o processo correto de fuma-traga-solta, mas me contento em mostrar aos colegas de cárcere apenas minha cara de mau, de alguém insano que poderia arrancar uma orelha numa mordida ou mesmo um nariz, capaz de tirar olhos com minhas próprias mãos, todo um teatro pra sobreviver nesse quarto privado da liberdade onde tanto acontece, em minúsculos cinco metros quadrados com sala, quarto, cozinha e banheiro incluso, e de graça... com tanta gente reclamando em pagar condomínio em seus luxuosos setenta metros quadrados nos quais convivem solitárias. Aqui não, compadre, aqui compartilhamos tudo. Alguns seringas, outros fotos de entes queridos, alguns poucos chegam até a trocar fluídos corporais e não é nada bonito tampouco convém, acredite.

A tremedeira de minhas mãos aumentam de acordo com os dias de insônia, passar a noite vigiando meu arredor virou rotina noturna, sonhos passam diante de meus olhos abertos, sonho com o sol ali naquelas dunas, logo ali, poucos metros depois do muro, pra lá do arame farpado, depois do poço fundo de água podre de esgoto e um pouco mais pra frente do canil onde deixam os cães que nos guardam.

Disseram tantas vezes que a cadeia era faculdade de ladrão e criminoso, o que será então dito dessa instituição no caso de um intercâmbio, onde ninguém fala minha língua, onde não entendo bulhufas do que falam, mesmo que grunhidos me soam, algum sentido deve ter, isso aprendi quando um dia depois de tanto gritarem algo incompreensível no corredor, sem respostas de lado algum, fui tomado de assalto e levei boas pancadas de um cabo de madeira na nuca, será que chamavam meu nome em mandarim ou japonês ? Será que ninguém os avisou de que pancada na nuca fica marca e aquele pessoal dos direitos humanos podem vir atrás em protesto ? Fiquei bem zonzo e mesmo assim não deixava de pensar em como explicar tudo isso para algum secretário da ONU... seria a ONU responsável por ouvir esse tipo de reclamação ? Talvez uma ONG qualquer, vai saber, vou ter que buscar nas páginas amarelas quando sair daqui, quero uns trocados como indenização.

Perdi a conta dos dias da semana, do mês, perdi a hora, senso de dia e noite, perdi a consciência algumas vezes fruto das pancadas dos carcereiros, hora pelas tragadas falhas no cigarro forte, hora por diretos de esquerda de um detento ex-pugilista, hora por intoxicação alimentar após ingerir aqueles purês amarelos os quais não temos a mínima idéia do que realmente são.

Estar inconsciente ajudou bastante no sentido de relaxar e dormir em paz, digamos que aquelas poucas horas de sono no chão do cárcere era praticamente um coma induzido, que vinha gratificante trazer paz aos meus dias, horas sem abrir os olhos, apenas deixando o tempo cicatrizar tantas marcas.

“Mama I just killed a man
Put a gun against his head
Pulled my trigger, now he's dead”

Não foi o caso, não matei ninguém, mas essa música não me saía da cabeça, deve ser pelo tratamento que nos dão em lugares remotos, independente do delito ou subversão, devemos todos ser tratados por igual, sem preconceito aqui amigo, todos tem o direito de ficar calado, levar a mesma quantidade de pancadas, ter os mesmos tipos de doenças e riscos de infecção generalizada, todos no mesmo nível, incrível, quem dera lá fora no mundo livre fosse assim também, igualdade para todos.

Um senhor jogado as traças em um dos cantos da cela tossia como alguém à tempos pêgo pela pneumonia, misturada em seu pulmão com fumaça de cigarro, mais o visgo que vem da parede onde ele devia ter sua face encostada pelos últimos quinze anos, aquela humidade devia estar encrustada até os ossos do pobre velho, digo pobre pois não sei ao certo o motivo dele estar ali, vai saber quantas crianças ele pode ter mandado mais cedo para o céu na época da guerra ?

Jong era o nome de um chinês que à cada meia hora vinha até mim e batia forte em seu peito magro repetindo seu nome seguido de “XAAAIIIINÁÁÁÁ”, acredito que ele dizia CHINA na pronúncia em inglês, e supus Jong ser seu nome, de qualquer maneira, comecei a chamá-lo de Jong, pra dizer a verdade, nunca o dirigi a palavra, mas em minhas notas mentais, ele era apenas o Jong chinês. Pequeno, sujo, fedor igual ao dos cachorros de rua após uma semana de chuva, seus dentes, os poucos que sobraram, era negros e encrustados como corais do fundo do mar, algo viscoso sempre aparecia em sua língua quando desenrolava à falar, os dentes que tinham melhor disposição lembravam cobre falso enferrujado, com certeza em sua juventude foi enganado e teve seus dentes reais trocados por “puro” ouro, ouro de tolo.

Depois de algum tempo, o qual já era inútil tentar lembrar que existia, alguém em farda verde e mal passada, com um revólver quase enferrujado e botões da camisa necessitando costura, vem até a grade da cela e aponta à minha pessoa, de início o mesmo sorriso de Jong, uma parafernália no lugar dos dentes que lembrava o motor de um Dodge esquecido por vinte anos na rua da casa onde cresci, depois uma expressão séria, a qual dizia claramente que eu estava enrascado.

Fez sinal com os dedos dizendo para me aproximar, abriu a cela com uma mão rápida e precisa enquanto a outra descansava no punho da arma, mesmo acreditando que aquele revólver da segunda guerra recém saído do fundo do mar não iria funcionar, resolvi obedecer, já pensava comigo que deviam ter contactado alguém da minha família do outro lado do mundo disposto à pagar pelo projétil que iria atravessar minha cabeça num muro dos fundos daquela prisão.

Fui levado até uma janela onde me passaram um livro mais antigo que a bíblia sagrada, ordenaram que eu seguisse a sequência de assinaturas na linha em branco abaixo do último infeliz que ali passou, devia por meu nome, assinar, data, local de origem e tive de copiar uns códigos que nem imagino para que serviam.

Terminado o processo, vieram com um saco plástico o qual continha uma mochila surrada com roupas sujas, uma bota mais gasta que a dos soldados no Afeganistão, uma carteira com algumas fotos 3x4 de familiares, amigos e recibos de ônibus, lanchonetes e supermercados, todos usados como agenda telefônica, telefones de mochileiros rabiscados em algum encontro surreal ao redor do mundo. Sem dinheiro, apenas lenço e documento.

Com alguns empurrões fui direcionado à porta da frente, mandam que eu caminhe até o portão principal, alguém aciona e vejo a rua logo ali a frente. Percebo uns urubus à me espreitar, eram na verdade os guardas nas torres de vigia acima do muro, apontando seus brinquedos enferrujados para minha cabeça, nem pense em fazer qualquer retaliação ou gesto obceno, muito perto da liberdade para ameaçar dessa forma. Saio do portão, olho dos dois lados da rua, atravesso, tiro a bota de meus pés, sigo descalço pelas dunas de Nha Trang, vejo o mar lá embaixo. Sento no topo daquela areia mais antiga que o tempo, deixo o corpo e a mente voar por sobre o mar, sem destino, enfim livre.

Monday, 10 January 2011

When travelling hurts


The fear of a blank page.

This must be the fear that most of good writers feels every day, or night.
In my case, a good glass of wine helps me a lot during this darkest times.So many things comes up after a little bit of boozing.

Now I can perfectly understand how the stories were made back in the medieval times, when those old lads stayed in drinking and dreaming their lives on a raining night, sometimes in a dirty pub among dirty women, sometimes inside their chambers, involved in candle’s light and their own loneliness, singing all the pain down the blank pages on their old desks, dusty and smelly like ships anchored round the shore.

My story today might sounds like an old tale, begins with a young lady laying on the grass, far from the civilization, far from her responsibility’s, far from her real life. The sun shines and it’s baking hot, she’s under a tree observing her love watching over her, he’s quiet, also handsome, he’s got an apple in his hands, and he cuts it with a sharp pocket’s knife with such a precision that it’s unbelievable he’s not a knight on shine armour.

He drinks from his glass, red and dark wine, warm and not sweet at all. The thick drink burns all the way down his throat and some tears comes easily out his eyes, he jokes about it and she laugh with grace, both continues embraced and caressing each other, the touch makes her fragile skin shiver, he uses a flower to bypass her whole body, saying that he wants the flower to pick her scent up so he could keep a memento from that moment.

Like a king he demands her love, and she, just like a queen, demands poems, affection, promises, long life, children, eternal care and love that lasts forever.

They don’t speak the same language, they are both in foreign country, eating and drinking from a place that their parents never thought would ever step on, in few days both of them will leave that little paradise, but nothing else matters, the time has stopped for them, they will be young forever in that little time encapsulated on the wine’s bottle.

How easily they get into that dream, he wishes she could follow him through all the way to his homeland, far from there, so strange from hers, and she just wants his hands massaging her feet while a bird sings its heart out loud, nobody can see them, and no one could understand such a fast relationship that grows fond in a silent noon, and will be terminated by morning, but remembered forever.

How hard it’s for a pilgrim of the world, to cross the meridians, tropics, seas and skies and keep his promises, or to love the moment and let it go in the next day?

It’s evening already, a gentle breeze blows their sweaty faces, and they decide to go down the beach, away from the forest, arms wide opened to the sea, she climbs his back and both go on a gallop jokingly, falling in deep, dark, turquoise waters, refreshing body and soul, her smile is definitely something else, he sits on the white sand, not worried, not thinking, not even breathing, just imagining what if that whole day could become their whole life from that moment on, but was a mistake to rely upon destiny, destiny was no where to be seeing that night, and she left next morning kissing his forehead, and till now, stings like a branded tattoo.

Friday, 31 December 2010

Amor, Amor



Numa véspera de ano novo, o ideal seria falar sobre esperanças e votos para o início do mesmo, talvez palavras estimulantes que trarão coragem e novos planos.

Mas prefiro falar de amor, o amor tem me acontecido desde sempre, tem me aparecido vez ou outra, intensamente ou apenas suave como um vento do final de tarde, começa e acaba como nas histórias dos contos de fadas, às vezes acontece a rotina bem no meio como no filme da sessão da tarde, de vez em quando na noite vem o esturpor em chama como o fogo do inferno, amanhece e o mundo se torna azul como o paraíso.

O homem vê amor em lugares estranhos, alguns amam o dinheiro, outros seu carro, muitos a namorada, a mãe, um lugar e por aí vai. Amar é um adjetivo prático, tão prático que tem sido banalizado com o passar do tempo, o coração do homem tem se tornado um buraco sem fundo onde tudo cabe, claro que em nossos cérebros temos uma calculadora mágica que cria valores diferentes para cada amor, sem ao certo saber o que exatamente esse sentimento representa.

Meus amores aconteceram, não foram banais, não foram passageiros, alguns continuaram por longo tempo em meu coração, nesse buraco sem fundo que se expande mas que mesmo sem fundo, se acha cada memória, lembra todo acontecido. Tem épocas que me apaixono à cada cinco minutos e essas paixões se tornam amores repentinos, como aquela mulher no metrô, aquela que trocou olhares, curiosos, tentou lembrar se me conhecia de algum lugar, lá de longe no vagão solta um sorriso tímido, eu já a amava sem saber, divido meu tempo, aquele ócio no balanço hipnotizante da carruagem, com ela entre breves olhares em nossos livros e levantando novamente os olhos, tentando disfarçar o interesse, talvez ela já estivesse amando também, talvez só estivesse confusa, quem sabe eu a lembrava um ex-namorado, alguém que ela amou muito, acho que a palavra amor se tornaria comum em nossas vidas caso eu criasse a coragem de ir falar com ela.

Numa próxima estação ela desce, olha de fora, vê o trem continuando seu rumo, no princípio devagar, depois mais rápido, vai me seguindo com os olhos, agora já não mais com aquele sorriso quieto e cativante, parecia mais uma tristeza da alma, aquela que deixa o rosto calmo, o corpo semi-presente e as mãos inquietas. Pouco mais de um segundo e ela se foi, sem um nome tentei me agarrar ao livro, mas seu rosto tornava a aparecer em minhas páginas, um rosto sem nome, um amor sem endereço, amor que tantas pessoas procuram a vida inteira e achamos no metrô, mas que vai embora da mesma forma com que veio, num sopro de vento no túnel que não será o do esquecimento.

Ficou o vazio, preenchido com aquela dor que não machuca mas que faz lacrimejar, o coração esvaziou como que de repente, achou o fundo e se tornou compartimento, tem gavetas e cabides, rótulos e agora está pronto novamente para ser preenchido.

Chego ao fim desse ano assim, vazio, não na forma com que você esteja pensando, da forma ruim, digo vazio mas pronto para um novo ano, coração vazio, mente aberta, alma pronta. Hoje fecho os olhos na última noite de um ano sem igual, para então acordar em um novo mundo, num recomeço do amor, pronto para o que vier, e prometi à mim mesmo não deixar o amor descer na próxima estação sem antes pedir seu telefone. Feliz Ano Novo Amor, esteja você onde estiver.





Saturday, 4 December 2010

Amanhecer em Hamburg

cold,dark,lights,snow,winter-8d2a300ca2cab2dad693b261ea0b9de6_m.jpg (215×184)Entre a escuridão em que me encontrava, havia um faixo de luz que me incomodava, algo fora do normal que insistia em chamar me a atenção, não conseguia distinguir se era vida ou apenas uma lanterna mirada em meus olhos.

Em um esforço sem igual abri os olhos, o relógio a beira de minha cama piscava em verde fosforescente seis e quinze da manhã e seus dígitos brilhantes queimavam minha retina como fogo queima o ar.

Saí daquele transe em que nos encontramos quando dormimos profundamente por horas à fio e não sabia onde estava. Escuro, fora o barulho do motor de uma geladeira todo o resto do mundo à minha volta era silêncio, sentia me confortável mas muito próximo ao chão, e então me dei conta do frio quando movi os cobertores, como se o mundo tivesse acabado e estivesse meu corpo no limbo de um nada, esse mesmo corpo entra em convulsão de tosse ao respirar o ar gélido dessa manhã no limbo.

O frio me faz incapaz de pensar, não quero pensar em nada, só preciso ficar ali mais tempo, debaixo dos cobertores e voltar ao meu transe, mas a curiosidade me faz mover, levantar e procurar reconhecer aquele limbo, acho uma cortina e abro sem sequer respirar, não acredito no que vejo, branco eterno na escuridão lá de fora.

Toco a janela e as pontas de meus dedos começam a congelar imediatamente, por instinto saio de perto daquele vidro que mais parece um portal para o imenso nada que existe lá fora, ainda assim continuo tentando entender aquela vastidão em frente aos meus olhos, vejo uma praça com árvores secas e cinzas, galhos cobertos de neve branca como algodão, alguns bancos de madeira, daqueles em que os namorados abraçam e se beijam quando não tem ninguém olhando, mas não nessa hora, não nesse frio.

Entre algumas árvores e arbustos vejo esquilos à correr, primeira forma de vida nesse nada que imagino ser meu sonho, apesar da janela congelar meus dedos pareceste bem real, até mesmo o coelho que corre de repente e atravessa em longos saltos aquele espaço do nada me faz coçar os olhos e tentar entender o que é tudo aquilo.

Num ímpeto da alma, resolvo que quero sair dali, quero voltar a vida como era antes, quente, suada, rebelde, barulhenta e iluminada, ao mover me mais rápido tropeço num candelabro, chuto uma garrafa de vinho vazia, me enrosco em travesseiros espalhados ao redor, aquele espaço em que me encontrava parecia um universo sem fim, sem cantos ou prateleiras, nem sinal de porta ou maçaneta.

Entro em pânico e num salto em direção oposta à janela para o nada, toco algo parecido com madeira, como uma parede em vertical, conclui aquilo ser uma porta, a porta para a vida, minha escapada para os campos verdes e coloridos, longe longe daquele branco perpétuo, procuro a maçaneta, torço lentamente e naquele silêncio concreto o ranger daquele mecanismo bárbaro de metal me entrega e alguém fala comigo, pergunta o que eu estou fazendo, por que estou indo embora e deixando aquele lugar, meu pânico aumenta e vira crise, medo, frio na espinha que vem de dentro e não tem nada à ver com o limbo lá de fora, viro rapidamente a maçaneta e saio daquele lugar esquecido pelo tempo, uma fina luz vem daquilo que parecia um corredor, continuo sem entender.

Vejo uma cozinha moderna, frutas na mesa, uma caixa de pizza vazia deixada sobre um microondas, copos manchados de vermelho, possivelmente manchas do vinho que veio daquela garrafa em que chutei no universo em que me encontrava, e então a voz mais perto, sussurrando em meu ouvindo, querendo saber meus planos, não podia cair em seus truques, não agora que já estava quase lá, quase de volta a vida, pronto para respirar ar quente e encher meu corpo de humidade e calor, viver cada segundo como se fosse o último e não deixar que aquele chamado fosse meu último segundo.

Então ela toca minha mão, fria mas carinhosamente, beija me o rosto, abraça me tocando seu corpo ao meu e pede me para voltar à cama, diz me que o aquecedor provavelmente quebrou de novo e que iria acender a lareira, apesar de muito cedo, se eu procurava por outra garrafa de vinho, o lugar ideal seria no sótão, mas em todo caso o abridor estava bem ali na minha frente, na cozinha.

Decido por um copo d'água, resmungo algo incompreensível sobre jet-lag e volto para o aconchego daqueles cobertores, sem medo algum de cair naquele limbo outra vez, porém desligo o relógio com medo de seguir aquela luz novamente.


Thursday, 25 November 2010

Goodbye Indochina !!

Alguns meses se passaram e nesses últimos dias já me sentia um local, um estrangeiro local, por melhor dizer. Explico, por mais enraizado que estejamos na cultura desses países asiáticos, se não possuímos as características físicas e modos orientais , seremos para sempre "farang", estrangeiros.

Fui acostumado a pequenas doses nesse mundo velho, criei um formato geral das pessoas e seus hábitos, por mais parecidos que sejam entre as fronteiras de países pequenos, se notarmos com cuidado veremos quão diferente são as populações, mesmo entre Norte-Sul de um mesmo país vemos diferenças substanciais e interessantes.

Ser chamado de "farang man" pelas ruas da Thailandia me fazia dar risada, não pela palavra em si, mas pela malícia em que as mulheres locais se referem aos homens estrangeiros, aqueles que podem salva-las de um futuro pobre, simples e talvez leva-las para um mundo de riquezas e luxurias pela América ou Europa. Minha risada era honesta, não perniciosa ou julgadora, mas pela sensação de ser aliciado pelas ruas tanto por profissionais do sexo como por mulheres simples locais sempre deixou uma impressão calorosa, o contato humano que não se têm em outros lugares do mundo.

Sobre a culinária, ahh a culinária !! O despertar do paladar pelos mercados e ruas sujas foi algo do outro mundo, mesmo com a imundice ao redor, para olhos bem treinados não foi difícil achar o que era higiênico e saudável. A riqueza da mistura entre culinária oriental misturada com a ocidental devido as colônias do passado fazem você ter sonhos a noite, tachos imensos de sopa com ervas e pimentas me deixaram com água na boca, os molhos e condimentos que só se encontram nessa parte do mundo ficarão guardados no meu paladar para sempre.

Mas não são só flores, a rapidez em que os paraísos escondidos tem decaído através do turismo desenfreado me deixaram com um aperto no peito. As manchas de óleo deixadas pelos barcos que levam e trazem turistas de hora em hora tem danificado o azul turquesa e o verde pérola das águas desse mundo velho, as garrafas plásticas e outros objetos deixados para trás vem causando grande impacto negativo nas praias que eram idílicas até poucos anos atrás. E todos nós somos parte disso. Por mais consciente que eu e você sejamos, por mais que tenhamos cuidado com nosso lixo quando viajamos, ainda assim precisamos nos locomover, precisamos pisar naquele paraíso e ver com os próprios olhos e nesse ato deixamos mais que pegadas, fica também o toque da civilização, o que era antes nativo e perpétuo agora é caminho, trilha e facilidades como banheiro e bar à beira da praia.

Tem também as tragédias, tamanha beleza não vem de graça, muitos lugares daqui são magníficos por serem produto de vulcões ativos no meio do oceano, movimento de placas tectônicas   , tsunamis, tufões, vendavais, terremotos entre outros fenômenos naturais que modificam a paisagem através dos séculos. Nesse acaso vem o castigo da população que sofre à cada ocorrência, e se já não bastasse os fenômenos naturais tem também o histórico de guerras, instabilidade econômica e religiosa, a diversidade desses povos tem gerado tensão desde o início dos tempos e as fotos não são nem um pouco bonitas.

A maneira como parte da população mercante da região que chamamos de Indochina tenta tirar proveito do viajante ocidental também é algo à se notar. A idéia de que os ocidentais possuem mais riqueza e por esse motivo sóbrio somos obrigados a gastar o dobro do que é justo é degradante para a imagem de um povo batalhador, mas persiste e não acabará tão cedo. Mesmo sendo isso normal e esperado em países sub-desenvolvidos e de terceiro mundo, sempre acreditei serem os asiáticos mais cientes e razoáveis, mas da mesma forma que turistas tem se aproveitado dos prazeres e deixado sua marca, voltam para casa com uma sensação de terem sido enganados por diversas vezes.

Pensamento filosófico: Os ocidentais não enfrentam fila, se juntam todos e forçam sua vez em empurrões meio educados, isso vem da valorização do grupo ao invés do indivíduo. Aqui se tem o ditado de que o prego que se destaca será o primeiro à ser martelado, sendo assim todos procuram ser o mais parecido com o próximo possível, usam as mesmas roupas, fazem as mesmas coisas e procuram todos terem o mesmo nível intelectual, uma sociedade normalizada. Particularmente acredito que me lembra muito o comunismo, ditando regras silenciosas de comportamento, restringindo indivíduos de mostrarem seus talentos e se destacarem na multidão, diminuindo o passo do desenvolvimento social e perspectiva de idéias inovadoras.

Julgamentos à parte, minha experiência foi a mesma dos pioneiros de séculos passados, chegando na Ásia e sendo facilmente reconhecido como "farang man", tendo a barreira da comunicação mas o poder da mímica e expressão facial, a delícia da simplicidade ao andar descalço e comer com as mãos sentado no chão entre famílias locais, ser tratado como figura famosa pelas ruas onde "farang man" é mais alto e branco que todos os outros ao redor, tendo fotos tiradas e crianças puxando pelo braço ou tocando nossos rostos em curiosidade.

Isso tudo me trouxe paz, algo no espírito que vai me fazer refletir pro resto da minha vida, algo valioso que tem de ser degustado na hora certa, num período de transição e de crescimento pessoal, quando precisamos de tempo para pensar e decidir o que queremos realmente para nossas vidas no futuro, um ponto de balanço para medirmos o quanto de calma e stress podemos suportar e o quão valioso é o investimento de tempo livre e ocioso em determinada época de nossa vivência nessa terra de encantos e mistérios.

Adeus Indochina, vou me embora dessa terra com doce saudade, histórias para contar além mar e uma vontade de ficar que só é vencida pela saudade de minha terra natal.

Thursday, 11 November 2010

Privação do ser

A estrada para o sucesso às vezes percorre misteriosos caminhos. Hoje a tarde fui chamado de "Brasileiro misterioso" por pessoas que conheci em minhas viagens e não misteriosamente digo com convicção que atingi o sucesso de minhas metas de médio prazo sem muito mistério. Complicado conectar tudo isso que acabei de escrever ? Imagina viver tudo isso então.

O sucesso nem sempre é aquilo que se explica no dicionário e o que as pessoas possuem em mente, a palavra sucesso pode ser reinventada e colocada de uma forma menos política ou corporativa, a palavra sucesso pode ser taxada como algo que preenche a alma, aquele gosto de água doce na boca de quem foi náufrago em águas salgadas por meses, quem sabe até anos.

Foram alguns anos de minha vida que dediquei à privação de certas coisas para chegar à determinado lugar, aprendi isso com tantas pessoas que difícil é citar tais exemplos, o mais próximo é meu pai, que por um bom tempo trabalhando fora para nos sustentar tinha de ir dormir mais cedo para esquecer a fome e economizar o dinheiro do jantar. 

Comecei a trabalhar bem cedo, por opção e não necessidade, não havia necessidade pois meus pais trabalhavam para nos dar sustento e educação, bem rigorosa mas que deu base para os anos que vieram, e desde cedo aprendi o valor do dinheiro e também aprendi o valor que o dinheiro não tem, se é que você me entende. O valor que as coisas materiais perdem depois de sua empolgação, depois do sentimento de que você conquistou e está ali a seu dispor, seja na garagem, na sala de estar ou na cozinha.

Bem cedo aprendi também que mesmo tendo tudo, às vezes não temos nada, um carro sem seguro pode sumir entre seus dedos se acidentado ou roubado, mas sua vida ainda estará lá independente de dinheiro ou seguro. Não sou hippie apesar de respeitar a opinião de quem é, não prego que a vida só é válida se minimalista, o dinheiro é importante, o capitalismo faz o mundo girar, pelo menos no lugar em que nascemos e somos acostumados, dependemos da troca do papel e da moeda pelo nosso sustento por que já não temos como caçar e pescar, necessitamos de dinheiro por que no futuro o médico vai ser caro, já nos esquecemos dos curandeiros e seus chás e dependemos quase sempre de enlatados, então não confunda as coisas, não semeie sonhos criativos de vida perfeita em comunidade numa vila de pescadores, uma dor de dente vai fazer você voltar à civilização num piscar de olhos.

E nunca, nunca julgue aquele que trabalha e estuda sem parar com extremismo, pois aquele tem suas razões ramificadas em seu ser, queimadas a ferro e fogo em sua pele pela visão crua do mundo ao seu redor, pois ele já está cansado de ver a vida de seu próximo ser tomada pela necessidade e desamparo que a vida moderna trás consigo. 

Nesses dias que venho passando tento justificar à mim mesmo o motivo pelo qual tenho sido tão agraciado com uma vida que todo ser humano gostaria de ter, viajar pelo mundo, experimentar novas culturas, conhecer novas pessoas, ter novas paixões e amores, acordar naturalmente com a luz do sol pela janela de uma cabana à beira-mar, não ter hora nem compromisso, ler e escrever quando me dá vontade, resumindo, tento achar justificativa por ser feliz agora.

Mas e quando eu estava lá no exército das 6 às 8 da manhã, indo direto pro trabalho que teria de ter começado às 8 e que compensava o atraso na hora do almoço, para então sair às 6 da tarde e chegar no colégio à tempo da primeira aula, rezando conseguir uma carona no final das aulas para chegar em casa às 11 da noite, caso contrário seria quase uma hora à pé ? Tendo de engolir a comida para sobrar tempo de ver um pouco de TV, engraxar o coturno e me barbear para às 4:30 da manhã pegar o ônibus para o quartel ? Por que naquela época eu não procurava justificativa para os sofrimentos ? Quando minha mãe me acordava de madrugada no sofá adormecido com o coturno em meu colo, por que eu não me justificava ou pedia desculpa pelo meu sofrimento ?  E quanto à úlcera que tive nesse meio tempo com apenas 19 anos de idade ? 

Por que então depois do exército resolvi ir trabalhar em outra cidade, e continuar por alguns anos aquele martírio de acordar ainda mais cedo, indo dormir ainda mais tarde porque escolhi uma profissão diferente da que exercia e dependia de mais estudo ?

Também não tentei me justificar quando decidi voltar e fazer faculdade, sem emprego mas com determinação e ter de economizar cada centavo para pagar a mensalidade, depois de formado quando era hora de ter paciência e então começar a criar raízes mais uma vez me coloquei numa posição nem um pouco confortável.

Foi em Londres uma das experiências mais pesadas em minha vida, mais uma vez por vontade própria, me deprivei de meu ser, de quem eu era, para me tornar o que sou hoje, alguém que queria aprender mais, alcançar ainda mais e chegar onde poucos chegaram. O preço foi alto, anos de reclusão longe da família e amigos, economia exagerada, frio, depressão, falta de calor humano e carinho verdadeiro, carga horária de trabalho exagerada e irresponsável, horas de estudos insuportáveis e a perda de meu humor característico.

Mas tudo valeu à pena. Nesses longos anos também existiram tempos de paz e felicidade que ficaram mais fortes na memória apesar de mais escassos, devido à toda essa privação os resultados foram gratificantes, recompensantes e que hoje tem me proporcionado muito mais do que eu desejava no começo, hoje possuo coisas que nenhum governo pode me tirar, que a falta de dinheiro tampouco irá me preocupar e que derrubou toda e qualquer fronteira desse mundo.

Acredito que estou empatado agora, depois do vendaval veio a bonança, depois do inferno o paraíso, agora é tratar de planejar os próximos passos pros próximos 10 anos, e dessa vez, o que vier será mais fácil e se não for, não será novidade e se for novidade, que não só eu mas você também tenha saúde para enfrentar de cabeça erguida lembrando que no fim do arco-íris existe um pote de ouro.

Nessa tarde me chamaram de "Brasileiro misterioso" quando contei grande parte dessa história para uma roda de amigos, todos irlandeses e que diziam não acreditar eu ser Brasileiro pelo meu sotaque irlandês, depois de um mês viajando entre eles absorvi a conversação e suas particularidades assim como eu fazia no passado quando passava minhas férias no sítio e mudava constantemente meu palavreado entre o caipira e o menino da cidade, esse foi um dos resultados de minha longa jornada, mas deixei bem claro ser Brasileiro sim, com muito orgulho, com muito amor e que não desiste nunca, mesmo que tenha de me privar de vez em quando.

Tuesday, 2 November 2010

Bangkok - Khao San Road

A primeira vez em que botei minha atenção em Bangkok foi quando assisti o filme "A Praia", o personagem principal - Richard, narrava sua chegada a cidade depois de uma longa viagem vindo dos EUA, surpresa a minha foi quando li o livro que deu origem a história contando ser ele na realidade britânico, talvez por Leonardo Di Caprio não ter a facilidade em fazer o sotaque o roteirista deva ter achado melhor mudar o ponto geográfico do personagem.

Ele começa a narrativa falando sobre Khao San Road, a rua dos mochileiros: suja, milhões de "westerners", locais vendendo todo tipo de coisa, motoristas de tuk-tuk puxando pelo braço, barulho, música pop thailandesa vindo de todo lado, barracas de comida vendendo Pad-Thai por menos de 1 dólar, muito álcool, casas de massagem e insaciáveis olhares em busca de sexo e diversão.

Minha primeira impressão ao chegar aqui foi exatamente a mesma.
O grupo de mochileiros que eu viajava se dissipou e acabei chegando em Bangkok com duas inglesas do grupo, elas já haviam passado por aqui no inicio da viagem e sabiam alguns lugares decentes pra ficar, conseguimos um quarto triplo por 8 dólares cada, sem sinal de ratos ou baratas, comecei bem minha experiência thailandesa.

Mas durou pouco, elas - minhas amigas inglesas - estavam a caminho das ilhas ao Sul da Thailandia, ficariam apenas uma noite e depois eu teria de me virar pra achar um lugar só pra mim. Nessa primeira noite achamos um casal de irlandeses que viajaram conosco pelo Vietnã e Camboja, eles vieram mais cedo pois tinham de encontrar outros 14 irlandeses amigos que planejaram viajar juntos pela Ásia e então juntei me à eles. Não sei onde eu estava com a cabeça...
A fama irlandesa de serem beberrões não é a toa, ainda mais quando eles acham um pub irlandês fora de casa, e Khao San Road possui o "Mulligans", tradicionalíssimo e ponto de encontro dos caras. 

Sempre tive amizade com irlandeses, são fanfarrões e muito parecidos com brasileiros em seu humor e forma de se divertir, não demorou e eu já tinha acostumado meu ouvido ao sotaque forte de Galway (região sudeste da Irlanda de onde esse grupo veio) e até mesmo consegui adaptar meu sotaque ao deles pra facilitar a  conversação, depois de alguns baldes de whisky/rum e coca-cola a gente fala até Alemão fluente meu amigo...      

A noite passou rápido demais e quando percebi estávamos todos cantando e dançando com dezenas de locais ao redor de uma banda de rua, as músicas eram incompreensíveis em Thai, mas o som era agradável e ritmado, deviam estar tocando os top-hits pois os locais cantavam apaixonadamente.

O sol já estava ardendo quando resolvi voltar pro meu hotel, meus amigos irlandeses -  Demian, Rachael, Thomas, Michael, Michella, Michelle, Ayline, Gemma, Dan, Chris, Callum, Jason, Evy e Jackie rumaram para o deles onde estavam juntos, e quando chego ao meu quarto a porta trancada, as inglesas tinham voltado mais cedo e já estavam dormindo à séculos. Não muito alegres abriram a porta, dormi por umas duas horas e então fizemos o check-out no hotel, elas estavam de partida pras ilhas e eu numa nova jornada para achar um hotel bom, bonito e barato, tarefa quase impossível.

De ressaca e com uma alergia do sol que nem vampiro tem, saí em busca de uma nova casa, não poderia ficar com os irlandeses pois hotel com piscina no terraço aqui custa em média 30-40 Euros por noite, eu estava disposto a pagar 5-10 dólares. Andei por todo lado como um zumbi e a cada hotel que entrava lembrava do filme "A Praia", lugares que pareciam depósitos de lixo, camas afundadas e cheirando mofo, paredes feitas de compensado de madeira ( se ouve tudo o que acontece do outro lado ), e a maioria dos quartos sem janela com ventiladores quebrados.

Um dos primeiros hotéis que passei custava apenas 4 dólares por noite, achei ser um dos regulares, pois ao redor da Ásia é um valor comum, mas não no caso de Bangkok, engano meu, tinha de dividir o quarto com hóspedes indesejados, ao abrir a porta um batalhão de baratas correu pra dentro do colchão e uma tropa de ratos saiu pela janela (sim, esse quarto tinha janela!), minha expectativa de encontrar um lugar bom e barato começava a ir por água abaixo.

Depois de horas nessa jornada, consegui algo razoável, 12 dólares com banheiro comunitário, nunca fui tão feliz na minha vida, mas terei de economizar em outros aspectos, o mochileiro precisa manter seu orçamento ao redor de 10 dólares por dia, caso contrário vai a falência. Apesar de ser um bom lugar, continuo ouvindo tudo o que acontece no quarto do lado, não acho tomada pra recarregar meu IPod, resta botar o protetor auricular e ler um pouco pra conseguir dormir, em menos de 5 minutos eu entrava em coma por diversas horas.

Acordei já eram 7 horas da noite, uma fome que mordia meu estômago por dentro, saí em busca dos irlandeses e não foi difícil acha-los no "Mulligans", todos haviam passado o dia dormindo ao redor da piscina e tinham queimaduras nem um pouco confortáveis, brancos como todos irlandeses, pareciam muito como tomates levados ao forno, mais motivo para beber e dar risada.

Compramos comida e bebidas no supermercado e voltamos pro hotel deles, não foi difícil passar despercebido no meio de 14 irlandeses pela recepção, vi que as recepcionistas já não estavam agüentando mais tanto barulho e desistiram de pedir pra se comportarem, logo estávamos na piscina do hotel 4 estrelas com uma vista maravilhosa de Bangkok e a insanidade da Khoa San Road 15 andares abaixo, mais uma vez agradeci aos céus por ser tão abençoado em minhas viagens e fechei minha segunda noite em Bangkok sem dormir e com um shot de sangue de cobra. Ainda fico vários dias por aqui, e então rumo para "A Praia", ou melhor, para "As Praias", mas prometi a mim mesmo não ser tão irlandês nos próximos dias...