Sunday 26 June 2011

Winter memories

Ela: "- Fala inglês ? "
Eu: "- Sim, você ? "
Ela: "- Nasci aqui. "
Eu: "- Faz sentido... "

Ela esfrega os olhos vermelhos, ajeita o cabelo, endireita a coluna, abre um sorriso e pergunta:

"- Você não é mais um daqueles que entram em nossas vidas, pra passar uma noite em nossas camas e depois sumir, é ? "
"- Não... "
"- Ótimo ! " disse ela.

... a noite voou, e no final estava apaixonado.

Ela pediu mais uma vodka com coca-cola, ajeitou o cabelo novamente, disse que iria para o banheiro, 
" - Espera cinco minutos e me encontra lá dentro ..."
Naquela noite pensei ter achado a resposta para as minhas perguntas, aqueles olhos azuis eram o infinito universo em que eu poderia me perder por toda a vida. Minha rotina sumiu, alguns dias era acordado por um abraço mais apertado, outros por um beijo à queima roupa e quando era meu despertador em pleno rock & roll, sabia que estava sozinho e não era um sentimento bom.

Bom era acordar num sábado e ver ela com uma cesta de frutas arrumada, dois livros roubados da minha estante separados e aquele baton vermelho contrastando com seu chapéu e óculos de sol retrô. O dia deitado no parque ao sol passava muito rápido, e de repente ela me surprendia tirando uma garrafa de vinho de sua sacola de pano pintada à mão.

Ficávamos pelo final de tarde jogados por cima um do outro, até onde o calor do vinho já não nos esquentava mais e o sereno da noite nos impedia de continuar nossas discussões literárias, juntávamos nossas coisas e tomávamos o rumo inebriante pelo parque até o ponto de ônibus mais próximo,  nossa jornada era feita de risadas bobas, danças mal coreografadas e eu pedindo desculpas aos passageiros do ônibus pelo disturbio da paz.

Aos sábados passávamos à noite fazendo planos, contando histórias de nossa juventude, nos intervalos fazíamos amor, quando menos esperava, o brilho do sol por entre a cortina me lembrava que era hora de trabalhar, domingo cedo, tarefa quase impossível, saía de casa rastejando de cansaço da noite não dormida.

A rotina do domingo era sempre a mesma, vizinhos de ressaca se misturavam aos clientes antigos com suas famílias pelas mesas do pub. O gerente gritava ordens para o 2o andar onde ficava a cozinha, e minha cabeça parecia querer explodir. Até que às 11 da manhã de um dia tipicamente Londrino, frio, mas ensolarado, lá estava ela em minha porta com uma caneca de capuccino em sua mão, à extendeu com sua mão branca como a neve que teimava em deixar seus flocos na janela.

Depois daquela manhã não só viciei no café diário, mas no sorriso por trás daquele baton vermelho, no azul dos olhos por trás daqueles óculos retrô, do cheiro por baixo daqueles cabelos negros e naquela pele branca escondida por entre seu vestido de seda florido.

Um inverno foi compartilhado debaixo de edredons e chocolate quente à base de creme de whisky com Baileys, cantávamos um para o outro em frente à lareira velha esquecida no canto da sala, discos de vinil davam o tom retrô que ela tanto gostava, jogávamos cartas com regras que ela inventava na hora, escrevíamos poesia em papéis que depois eram jogados no fogo da lareira, dizia ela que as palavras eram muito perigosas para serem criadas e libertas ao mundo, e com as faíscas do fogo víamos frases formadas subirem pela chaminé, rumo ao céu escuro e frio.

E com o tempo percebemos que não se pode ter tudo, que os sonhos quando prontos se tornam uma utopia, algo que não conseguimos apalpar, que erramos ao deixar a poesia voar, que as palavras ao mesmo tempo que perigosas, servem como o alimento de uma relação, e que no torpor de tudo aquilo, escolhemos deixar o tudo de lado e seguir com nossas vidas na forma simples, pois o tudo é complicado demais. Somos como um grão de areia no universo do entendimento, querendo burlar as leis naturais pintando um quadro perfeito, que no final se torna um espelho, quebrado, com frases escritas em batom vermelho, separadas pelas rachaduras da vida.

e em minha vida, sobrou o capuccino que aquece meus lábios nas manhãs frias, para lembrar que o ter tudo é possível, desde que se tenha coragem de enfrentar.








Saturday 11 June 2011

Love hurts

Em meio aquela chuva ela continuava a correr, como se tentando escapar de seu destino que vinha logo atrás, seus cabelos negros escorriam como seda por sua pele branca como leite, seus olhos marejados brilhavam como o azul do oceano em dia de sol, o verão tinha apenas começado.

Ele havia esquecido a chave dentro do carro e quando bateu a porta se deu conta do terrível engano, se perguntava por quê essas coisas acontecem sempre na pior hora, iria se atrasar para a entrevista, já não era suficiente estar desempregado à algum tempo, tinha também de ter má sorte nos momentos cruciais para completar o quadro.

Ao atravessar o parque correndo para pegar o ônibus, escorrega em uma poça d'água e seu sonho de uma carreira brilhante é arruinado naquele instante, já não lembra seu nome ou em que mês está, tamanha sua dôr.
Ao ver aquele engravatado correndo em sua direção com ar de preocupado, ela se esquece por alguns segundos de seus próprios problemas, ele aparenta ter um peso muito maior em seus ombros, até o segundo seguinte onde ele vai para o chão como que desafiando a lei da gravidade e então ela percebe que o dia dele começou bem pior do que o dela, e isso a deixa desconfortável, naquela manhã ela queria que o céu desabasse por sobre sua cabeça, não sobre a de um pobre desconhecido qualquer.

Ao abrir os olhos e se deparar com o oceano a encará-lo, pergunta: "quanto tempo você levou até aqui?"
Ela sem entender pergunta em resposta:"como assim?"
-"você não veio do céu pra me buscar? Você não é um anjo? OK, essa é das antigas, mas com a dôr que eu estou sentindo não consigo pensar em nada melhor..."
E aquele sorriso inesperado salvou não só o dia de ambos, mas também aquele verão.
Terminaram o dia em um café, não perceberam que foram longas horas conversando com uma única pausa em que ele ligou para sua entrevista com uma boa desculpa, ao que responde do outro lado da linha de que a reunião era mera formalidade, o emprego já era dele.

Passaram aquele outono construindo sua vida num álbum de fotos que mais tarde transformou-se em um castelo de cartas, ficaram ali fotos dos buquês de flôres aos sábados de manhã, jantares surpresa à luz de velas e domingos preguiçosos a beira da cama.

Naquelas fotos estavam promessas escondidas de filhos para montar um time de futebol ou uma companhia de ballet, férias aos 40 anos em lugares exóticos, cafés à beira do Sena aos 50 e degustação de livros na varanda debaixo do cobertor aos 60.

Se tornaram vicio um do outro, cada instante longe era insuportável, a voz no telefone já não acalmava aquela fome.

Certo dia a beira da cama ele confessa seu sonho de viver sua velhice no campo, casa simples, vastos pastos gramados com animais e um lago, ela por sua vez tem em mente aquele apartamento no centro próximo daquele restaurante e de seu teatro preferido, sem se esquecer do parque para suas longas caminhadas no final de tarde.

Sem ao menos perceberem, assim se foi, eram duas pessoas que se tornaram uma só e essa pessoa foi envenenada pelo tempo que a partiu em pedaços e que não rimavam.

As flores de bom dia se transformaram em recados na geladeira, no lugar dos poemas ficaram as contas de luz e telefone colados no calendário, e a data daquele dia no parque, que era marcada em vermelho, já não tem sido comemorada nos últimos anos, lembrava os sempre daquele jantar em que ele atrasou e ela não sorriu, dividiram a garrafa de vinho e discutiram amenidades, no final da noite a data caiu no esquecimento assim como a paixão que os mantinha acordados noite afora no passado.

Em um dia dos namorados cinzento, chovia e ele precisava ir ao escritório resolver alguns últimos detalhes de um projeto, acordou, olhou do lado e ela dormia calmamente. Sua vontade era dar lhe um beijo de bom dia, pedir perdão pelos últimos anos apáticos em que trocaram as prioridades. Mas também pensou que depois de tanto tempo poderia soar hipócrita numa data comemorativa.

Vestiu algo confortável e casual, pegou sua mochila e saiu pela porta sem fazer barulho.

Ela então abriu os olhos, deixou escorrer uma lágrima, e pensava o por quê havia fingido estar ainda dormindo ao invés de pedir lhe que ficasse mais um pouco na cama, que sorrisem um ao outro, deixando as histórias serem contadas e lembradas por suas pupilas, e que em um beijo tudo fosse resolvido, e que aquele gesto fosse o antídoto para o veneno que o tempo injetou naquela relação.

No caminho para o trabalho, resolveu fazer um atalho e passar em frente ao parque onde à alguns anos tinham se conhecido, primeiro passou no mesmo café em que tiveram seu primeiro encontro, pediu um capuccino para viagem, estacionou o carro próximo aquele ponto onde havia caído e ela havia o ajudado à se levantar, sentou se em um dos bancos e ficou vendo o tempo passar.

Notou um menino chorando com um filhote de labrador em seu colo, o cãozinho teimava em lamber suas lágrimas, e ele conversava se desculpando por alguma razão. Esqueceu seus problemas por um instante e perguntou ao garoto se estava tudo bem, ele o disse que o filhote foi achado abandonado e queria ficar com ele, porém os pais não queriam um cachorro dentro de seu apartamento.

Perguntou ao menino se ficaria menos triste se o cãozinho tivesse um lar em que ele pudesse visitá-lo, ao que concordou prontamente e com um sorriso entregou o filhote.

Desistiu de ir trabalhar, nada era tão urgente que reconquistar o amor que perdera naqueles anos cruéis. Passou em uma floricultura, comprou rosas vermelhas, uma caixa de chocolates no mercado ao lado, alguns pães frescos para o café da manhã e voltou para sua casa. Ela continuava na cama, com os olhos inchados das lágrimas derramadas, ele abriu a porta com um buquê em seus braços, e o filhote correu por entre suas pernas para então pular em cima da cama, pronto à lamber mais lágrimas de um mundo em que quase nada conhecia.

Em silêncio passaram a manhã com suas xícaras de café, observando o novo morador destruir alguns cobertores, rasgar algumas almofadas, e trazer vida para aquele lugar onde à muito vivia em tristeza. Sem terem trocado sequer uma palavra, tudo havia voltado como no primeiro instante em que se conheceram. O silêncio foi quebrado com a notícia de que estavam à espera de seu primeiro filho, e aquele amor que parecia ter secado como uma árvore antiga dos sertões, de repente floresceu como um jardim na primavera.

... e viveram felizes para sempre.


Thursday 2 June 2011

Em busca do sem fim

Por que precisamos de tragédia, do drama, de histórias em nossas vidas, tudo desde o comeco parece tao mais bonito quando contado em formato literal. 

Um dia a muitos e muitos anos atrás estava sentado sozinho embaixo de uma árvore espacosa, descalco, bermuda velha e camiseta furada, ao lado minha blusa de moleton com as mangas amarradas, formando uma especie de sacola onde eu guardava as frutas roubadas nos sitios vizinhos, onde ate os caes de guarda eram meus amigos. 

Na verdade eram eles preguicosos, daqueles que assim como os mexicanos, fazem a hora da ciesta, e nessa hora em que eu pulava as porteiras alheias, eles apenas levantavam as orelhas, olhavam de forma brejeira e ali me deixava quieto em meu delito.

Subia o morro e ficava la de cima vendo o tempo passar, escutava o silencio, sentia uma forca em ver a vila la embaixo, mansa, nao quieta, mas tambem sem algazarra de cidade grande, compadres passavam pelas ruas baixando os seus chapeus em respeito um ao outro, comadres ficavam pelas esquinas contando seus contos, criancas cacavam seus passarinhos com estilingues ou se esbaldavam pelos bracos de rio ao redor, pequenos exploradores assim como eu.

Acordava assustado sem ter visto o tempo passar, acordava pelo barulho do gado passando ao lado em direcao ao ribeirao no final de tarde, por algumas vezes vinha junto um boiadeiro, daqueles de 15 anos de idade, com pedaco de capim mascando entre os dentes, chapeu de palha batido daqueles que passaram dez anos entre sol e chuva no canavial, botinas gastas e maiores do que seu pé que causavam bolhas imensas.

Nao sabia dia do mes, tampouco da semana. As horas eram contadas pelas batidas do sino da igreja, até entao eu acreditava que era o padre realmente que puxava uma corda e fazia com que o sino badalasse, alguns anos mais tarde descobri que era apenas um auto-falante e uma gravacao rustica que tocava automaticamente dizendo a hora para a vila inteira ouvir. 

Só quem estava lá pode dizer o quanto nos aterrorizou o toque de meia noite e meia, o silencio do interior, a nevoa que envolvia toda a vila por ser povoada ao lado do rio, as historias mais mirabolantes contadas durante o dia vinham a tona nesse horario, e nossas cabecas atormentavam ate o cansaco chegar e fazer com que desmaiassemos em sono profundo, acordando pelas manhas salvadoras de sol e cheiro de café passado.

Lá de cima do morro eu via todo dia ela passar, a menina de bicicleta que vinha pra vila todo dia no mesmo horário, saía pela estrada do meio dos cafezais, imagino morar num sitio pelos arredores, e deveria vir a vila para trazer coisas ou buscar mantimentos, usava sempre a mesma saia rodada branca de rendas sujas nas pontas, tinha os cabelos louros e rebeldes, uma brancura na pele que reluzia luz do sol e de longe se podia ver que sorria ao descer a estrada por detrás do morro, sem freio, sem medo e com o vento como seu amigo.

Imaginava ela cantando enquanto pedalava aquelas estradas poeirentas, devia assobiar belas cancoes, daquelas que tocavam em radio AM que nossas avós sintonizavam pela manha, de vez em quando soltava uma das maos e tentava desajeitadamente arrumar o cabelo, parecia até saber que eu a estava observando dali de cima, e sonhandoem um dia a encontrar, poder dizer um oi e perguntar se poderia a conhecer melhor. 

Nunca aconteceu.

Tenho saído por esse mundo afora sem exito, algumas vezes tentei me enganar entoando discursos de que queria experimentar novas culturas, mas na verdade estive mesmo em busca daquele ser que quero pra ser meu par, da metade da laranja, tampa da panela, alguém pra compartilhar momentos e segredos, alguém pra chamar de minha, e a tarefa cada vez fica mais dificil, pois o mundo esta agora cada vez menor, ao menos em meu mapa. 

A encontrei por diversos lugares, momentos impróprios, horas desacertadas, noites esculhambadas e manhas de ressaca, durante jantares a luz de vela, almocos de domingo na feira, em passeios de maos dadas pelos parques e picnic na sessao da tarde, esse amor eu achei nao por uma, mas por diversas vezes, e ainda tenho a esperanca de que um dia será pra sempre, e que esse sempre será pra qualquer lugar...

Saudade da simplicidade nas tardes debaixo da arvore, onde o amor se resumia em ve-la passar com o vento em sua bicicleta...