Thursday 4 March 2010

Tem que ir lá!! :-)

Muitos me perguntam o motivo pelo qual gasto tanto tempo nos lugares em que viajo.

Simples: sem sombra de dúvida passamos mais tempo longe do lugar em que realmente estamos do que no lugar em si, para que possamos sentir e realmente estar em sintonia entre corpo e mente tem de se dar determinado tempo para nos libertarmos de nós mesmos.

Em realidade começamos a viver nosso próximo destino antes mesmo de começarmos nossa jornada, quando planejamos o trajeto, reservamos vôo, hotéis, riscamos o mapa, pontos turísticos, de certa forma já vivemos aquele momento antecipadamente em nossas mentes e quando chegamos ao lugar de destino começam então batalhas épicas para achar o transporte até o hotel, a luta para confirmar a reserva que foi feita meses antes e a recepcionista não acha registro, depois ao desfazer a mala percebemos que esquecemos coisas vitais como bateria para câmera, carregador para o celular, filtro solar, chinelos e etc etc..

Ainda no primeiro dia começa a busca pelos cartões postais, lembranças para família e amigos, lembrar a lista de nomes e preferências nos leva não só longe dali, mas também em outro período e muitas vezes anos antes.

No segundo dia temos a adaptação ao clima local, comida, horários, nosso corpo nem sempre corresponde à nossa excitação pelo novo, bem ali naquele segundo dia muitos de nós também já começam a se preocupar com o orçamento da viagem, o que podemos e o que não podemos fazer com aquela quantia de dinheiro que separamos e totalmente ligado a esse fator vem a lembrança de nosso trabalho, projetos pendentes que ficaram em cima da mesa, o telefonema que ficou para trás para clarificar dúvidas de clientes, o sentimento de culpa por estar aproveitando a vida enquanto o escritório todo está ralando para cobrir sua falta ou mesmo o pensamento cruel de que teremos de voltar logo à aquele emprego odiado para fazer mais dinheiro e poder pagar as despesas feitas na viagem.

Terceiro dia e queremos nos atualizar, entrar em contato com o mundo, gastamos horas na internet vendo notícias e ao mesmo tempo relatando o dia-a-dia da viagem pelo chat com amigos e família, estamos tão empolgados com tudo de lindo que vimos que já queremos também colocar as fotos na internet pros outros verem (motivo bem claro que é para fazer inveja, quando na realidade você está perdendo seu tempo precioso da viagem pensando nesses outros, enquanto eles estão vivendo a vida deles e pensando bem pouco em você que está de férias...lembre se disso!!)

E então como que de repente a gente se vê no lugar, totalmente aptos à aproveitar cada segundo, já sabemos o cardápio daquele bom restaurante, a recepcionista do hotel só faz um alô quando passamos pelo hall de entrada ao invés de checar nossos documentos, conseguimos ir à pé sem se perder ao museu, já até temos nosso barzinho local onde o dono decorou nossos nomes, e sim, já é hora de ir embora...

Começa então o transtorno de arrumar as malas, achar lugar para as quinquilharias e bugigangas que irão juntar pó na estante de alguém do outro lado do mundo, imprimir a papelada para o vôo de volta e nossas mentes mais uma vez nos leva para os momentos futuros, fila no aeroporto, chateação alfandegária, horas de locomoção e por aí vai.

Se achamos que viagem por terra nos tirará desse terrível cenário e nos dará imagens maravilhosas do campo enquanto dirigimos ou vemos a vida passar da janela de um ônibus, não se engane, um pneu furado ou problema mecânico te trará tanto desespero como um vizinho de poltrona super-size-in-bad-mood que vai fazer você amaldiçoar muitas gerações daquele responsável por idéia tão original.

À algum tempo atrás li sobre um francês que viveu em meados de 1880, confinado em seu chateau numa vila remota no interior de seu país, o motivo era que ele simplesmente não suportava pessoas, vivia recluso com seus livros e seus empregados e certa vez saiu para o vilarejo a comprar pães quando teve pânico de súbito tamanha ignorância das pessoas ao seu redor, onde na realidade eram simples camponeses sem estudo ou qualquer finesse.

Decidiu então que não sairia mais de casa para tarefas mundanas, ainda assim fazia visitas exporadicas ao museu do Louvre, onde amanava qualquer desejo de ver o mundo exterior. Encontrava pelas galerias a perfeita reprodução dos destinos que um dia quisera visitar, Grécia, Roma, Amsterdã, tudo isso através de pinturas, arquitetura, esculturas, teoria a respeito do povo e sua cultura era simples de achar em livros, poupando assim todo esse traslado que era dez vezes pior naquela época e o mais importante, evitando as pessoas pelo caminho.

Dizia ele que a viagem em sua imaginação era certamente mais proveitosa e que não sentia desapontamento desse jeito, certo dia lendo à respeito de Londres sentiu uma vontade extrema de viajar, pediu aos empregados que fizessem sua mala e pegaria o trem que sairia de Paris.
C
hegando à Paris resolveu começar sua imersão na cultura, proximo à estação de trem havia uma grande comunidade inglesa de bares, restaurantes e cafés, onde se achavam todas as características figuras, o tempo estava fechado, frio e leve garoa, almoçou um prato típico inglês - purê de batatas com lingüiça ao molho, serviu se da famosa cerveja, ouviu conversas e piadas animadas entre os homens locais, percebeu como as mulheres tinham mãos e pés grandes para a proporção francesa, pele branquissima, bochechas rosadas, dentes tão grandes que pareciam os de cavalos e a maioria de estrutura óssea um tanto "forte".

Após algumas horas, sem muito pensar, pediu para que seus empregados colocassem toda bagagem novamente na carruagem pois iriam voltar ao chateau, já havia experimentado tudo aquilo que gostaria de ver e sentir em Londres, com a diferença de que não passaria por toda a chateação da viagem e a certeza de desapontamento ao chegar lá.

No caminho algo lhe ocorreu, toda vez que sentisse vontade de ver e sentir um lugar no exterior, iria simular o ambiente o mais fiel possível a realidade, chegando a ponto de um dia decorar todo seu quarto como uma cabine de um navio, deixando um aquário ao lado da cama com sais perfumados, fotos de belas praias penduradas na janela, até mesmo um mapa cartográfico era possível ver entre os livros de navegadores famosos, até o fim de seus dias ele viajou o mundo todo, dizia ele que se o tolo acredita estar em Roma ou Atenas só por ver um pilar com ramos de oliveira num palco de teatro parisiense, por que não ele daria a volta ao mundo em sua cabine particular ?

Descrevi o francês como o Nietshe depressivo em suas desculpas para fugir do mundo exterior que o atormentava, não estava de fato errado sobre desapontamentos, quem nunca imaginou chegar nas pirâmides do Egito e além delas ver apenas camelos, nômades e o deserto ? Com surpresa vem o Cairo imundo e cheio de pedintes como parte do pacote, preços absurdos para turistas, pobreza e risco de saúde.

Ainda assim não me esqueci de pequenos momentos de minhas viagens que fizeram tudo valer a pena, ao ver os canais holandeses na minha visita a Amsterdã, deitar na grama de seus parques e passar tardes preguiçosas lendo até o pôr do sol, a visão do Arco do Triunfo ao sair do portão do metrô em Paris, o picnic no gramado dos jardins do Chateau du Versailles, dirigir por entre montanhas congeladas das highlands escocesas, a vivacidade da Italia nostra e suas paisagens, longas horas nas estradas do sul da Irlanda onde vi o musgo à tomar conta de suas planícies e seus lagos cristalinos, o amanhecer na cidade perdida de Machu Picchu, o atravessar Portugal à pé pelo caminho de Santiago, o pisar na areia branca de Alicante, a cidade viva de Barcelona dentre tantos incontáveis momentos nesses anos de estrada.

Não podemos nos poupar dessas experiências, nesses caminhos podemos encontrar a mulher de nossas vidas, um amigo para a vida inteira, a inspiração para um livro, a coragem para mudar o rumo de nossas vidas, podemos extender nosso discernimento e compreensão do mundo à nossa volta, só precisamos nos dar a chance de tudo isso e o tempo necessário, passe uma semana naquela capital, um mês naquele paraíso, more por seis meses numa metrópole, more um ano onde falem outra língua, mas se for para passar um final de semana, lembre-se de deixar para trás toda responsabilidade, stress, peso desnecessário, preconceito e boa viagem !

PS: valeu pelo título Fer, se não fosse você pra me salvar só publicaria semana que vem !!!