Tuesday 25 January 2011

Requiem for Amsterdam


Não devia tê-la deixado na esquina fria naquela manhã de primavera em Amsterdã.

Fugir com a francesa naquele dia me pareceu sóbrio e menos insólito que viver aquela fantasia, aquela ilusão montada num palco de um teatro sujo no lado velho da cidade.

Ela, à que deixei na esquina, dizia sonhar com o momento em que minhas canções nasceram, ela queria estar lá quando aconteceu, quem sabe quando acontecesse de novo, mas o coração se ocupou com outras coisas, e as mãos que traziam as canções para este mundo já estavam carinhando a face de outra.
Quantas manhãs como aquela se passaram por entre cobertores naquele prédio sombrio, manhãs que ambos olhavam pela janela abraçados debaixo de um cobertor empoeirado, com nossas xícaras de café olhando por através, vimos os holandeses passarem olhando para o chão, preocupados com suas vidas, na rota de sua prisão privada em busca de sua recompensa. Horas passávamos ali com nossos olhos vagando sem direção, pequenos detalhes, acompanhando pássaros pequenos que pousavam em nosso balcão, e depois de algum tempo, silêncioso tempo, abriamos nossos lábios primeiro para falar sobre as cores dos prédios no outro lado da rua, depois abriamos novamente para então depositar nossas línguas e entrelaçá-las num beijo.

A senhora da padaria na esquina já sabia de nossas escolhas, não que ela pudesse ler nossas mentes, mas talvez por que nos tornamos previsíveis, mesmo deixando os óculos escuros em casa e trocando meu chapéu de camurça não a enganava, éramos nós de novo. Aquele parque no caminho para casa, Vondelpark, era perfeito para gastarmos 3, às vezes 4 horas admirando a natureza, não só da vegetação, mas também a natureza humana, bem ali no centro da cidade, aquele lugar se transformou em uma usina de pessoas tentando descobrir o outro lado da moeda, procurando respostas em sua intoxicação do ser, rolando pela grama víamos desde pais e mães de família, escritores, compositores e todo tipo de gente, embriagados pela aura de Amsterdã.

Descíamos pela Van Baerlestraat em direção ao Museumplein, gastávamos mais alguns preciosos minutos observando turistas entrando e saindo dos museus, terminando o trajeto em algum café barato à beira do canal, trocávamos algumas palavras, tentávamos entrar em acordo em relação às cores dos prédios, deixávamos transparecer um pouco de nossa intelectualidade, e então, caíamos em nossa cama para morrer de amor e esperar pelo novo amanhecer.

Percebi que estava envelhecendo quando contei quantos batons dela eu havia estragado deixando mensagens no espelho do banheiro. No início era só prazer, as mensagens faziam com que o dia dela ficasse iluminado, uma vez que ela dizia eu ser a razão do sol em seu semblante, com o tempo, esses pequenos detalhes perderam seu valor, já não compravam desculpas por atraso, já não garantiam o calor debaixo daquele cobertor em frente da janela, até mesmo a xícara de café já não esquentava mais minhas mãos, e nosso respirar juntos já não embaçavam o vidro das manhãs frias.

A inocência se perdeu, o amor se esvaiu, ela se foi sem dali sair, só restou o corpo e aqueles olhos amendoados debaixo de olheiras escuras.
A francesa, nossa vizinha, era pintora assim como Van Gogh, dividíamos as mesmas intimidades, seus gritos de paixão vinham do alto de seu quarto ali do lado, acredito que o professor de piano, italiano, era sua razão. Não que ela tivesse um piano, não por assim dizer, das poucas vezes em que estive ali em assuntos corriqueiros não havia reparado, talvez por seus cachos de cabelos louros me tirarem toda a atenção, assim como seu sotaque delicado. Também vinham junto com essa intimidade os choros, aquele em que sabemos que a pessoa colocou um travesseiro em sua boca para abafar sua agonia.

Até o dia em que vinha cabisbaixo com uma flor em minha mão, pedido de desculpas em troca dos beijos de boa noite, e lá estava ela, a francesa em sua porta. Marie era seu nome, longos cabelos louros cacheados, olhos azuis como uma violeta iluminada em dia de lua cheia, aguados pelo choro, sua boca simples de lábios estreitos tremia de cansaço por tantas horas à fio em pranto, ao olhar a flor foi como se um imã a trouxesse até mim, colocou um de seus braços por sobre meu ombro, segurando me por trás de meu pescoço, próximo à nuca e com sua mão tocou meus lábios, já estavam entorpecidos pelo calor em que se encontravam por aquele momento.

Após poucos segundos que duraram uma eternidade, descobri minha alma dentro daquele corpo pálido e impecável, roubei um pouco de sua juventude e a levei de volta à seu quarto, à deixei com a promessa de voltar um dia, na realidade foram apenas minutos, voltei ao meu apartamento, ela não estava lá, suas roupas também não, apenas uma nota dizendo que estava à caminho de um novo mundo, talvez em busca de um novo amor, caso eu fosse um amor renovável, que eu me encontrasse com ela naquela esquina onde nos conhecemos dia desses, aquela que já esqueci o nome, onde nossas esperanças foram depositadas um no outro, e que como vampiros tiramos pouco à pouco, dia à dia, naqueles canais que Deus tocou e esqueceu por lá.

Achei um último batom em nosso banheiro, escrevi "te amei enquanto duramos, te terei em minha memória enquanto vivermos e além, Ik hou van jou".

Dessa vez ficou escrito em nossa janela, de frente para trás, caso ela viesse à espiar antes de partir. Juntei minhas poucas coisas em uma mala e uma mochila, guardei os imãs de geladeira em minha mochila, virei um porta-retratos de forma em que ela não me visse partir e fui em busca de Marie. Passamos à noite sem menção a Julie, Julie que um dia foi Julie e eu, hoje sou só eu, talvez amanhã Marie e eu, talvez só eu de novo, quem sabe ? Marie concordou em me levar para o sul da França, num pequeno tour pela região vinícola e da boemia Francesa.

Nossas mágoas foram esquecidas à longas doses de vinho, começamos vida nova sob o sol, corremos à colher flores pelos campos que botaram comida em nossa mesa, mas em alguns dias frios e de névoa, me vem a imagem de Julie naquela esquina, à esperar por alguém que já não era eu mesmo.



Wednesday 12 January 2011

Memórias de um cárcere Vietnamita


Acordei numa prisão fétida no meio do nada, não era tão ruim quanto imaginava, creio por não estar tão cheia como as que costumei ver na tv em meu país. Pessoas me olhavam do outro lado do cômodo, hora com medo, hora em tom ameaçador. Já havia perdido a conta de quantos dias estava ali, poderia estar aproveitando as dunas lá fora, aquelas que um dia seguia passos de gente que haviam passado em direção ao mar, mar revolto e bonito que nunca imaginei ver daqueles lados e que vi de relance no caminho para a masmorra moderna.

Acendo um cigarro que teimo em tentar inalar e fazer todo o processo correto de fuma-traga-solta, mas me contento em mostrar aos colegas de cárcere apenas minha cara de mau, de alguém insano que poderia arrancar uma orelha numa mordida ou mesmo um nariz, capaz de tirar olhos com minhas próprias mãos, todo um teatro pra sobreviver nesse quarto privado da liberdade onde tanto acontece, em minúsculos cinco metros quadrados com sala, quarto, cozinha e banheiro incluso, e de graça... com tanta gente reclamando em pagar condomínio em seus luxuosos setenta metros quadrados nos quais convivem solitárias. Aqui não, compadre, aqui compartilhamos tudo. Alguns seringas, outros fotos de entes queridos, alguns poucos chegam até a trocar fluídos corporais e não é nada bonito tampouco convém, acredite.

A tremedeira de minhas mãos aumentam de acordo com os dias de insônia, passar a noite vigiando meu arredor virou rotina noturna, sonhos passam diante de meus olhos abertos, sonho com o sol ali naquelas dunas, logo ali, poucos metros depois do muro, pra lá do arame farpado, depois do poço fundo de água podre de esgoto e um pouco mais pra frente do canil onde deixam os cães que nos guardam.

Disseram tantas vezes que a cadeia era faculdade de ladrão e criminoso, o que será então dito dessa instituição no caso de um intercâmbio, onde ninguém fala minha língua, onde não entendo bulhufas do que falam, mesmo que grunhidos me soam, algum sentido deve ter, isso aprendi quando um dia depois de tanto gritarem algo incompreensível no corredor, sem respostas de lado algum, fui tomado de assalto e levei boas pancadas de um cabo de madeira na nuca, será que chamavam meu nome em mandarim ou japonês ? Será que ninguém os avisou de que pancada na nuca fica marca e aquele pessoal dos direitos humanos podem vir atrás em protesto ? Fiquei bem zonzo e mesmo assim não deixava de pensar em como explicar tudo isso para algum secretário da ONU... seria a ONU responsável por ouvir esse tipo de reclamação ? Talvez uma ONG qualquer, vai saber, vou ter que buscar nas páginas amarelas quando sair daqui, quero uns trocados como indenização.

Perdi a conta dos dias da semana, do mês, perdi a hora, senso de dia e noite, perdi a consciência algumas vezes fruto das pancadas dos carcereiros, hora pelas tragadas falhas no cigarro forte, hora por diretos de esquerda de um detento ex-pugilista, hora por intoxicação alimentar após ingerir aqueles purês amarelos os quais não temos a mínima idéia do que realmente são.

Estar inconsciente ajudou bastante no sentido de relaxar e dormir em paz, digamos que aquelas poucas horas de sono no chão do cárcere era praticamente um coma induzido, que vinha gratificante trazer paz aos meus dias, horas sem abrir os olhos, apenas deixando o tempo cicatrizar tantas marcas.

“Mama I just killed a man
Put a gun against his head
Pulled my trigger, now he's dead”

Não foi o caso, não matei ninguém, mas essa música não me saía da cabeça, deve ser pelo tratamento que nos dão em lugares remotos, independente do delito ou subversão, devemos todos ser tratados por igual, sem preconceito aqui amigo, todos tem o direito de ficar calado, levar a mesma quantidade de pancadas, ter os mesmos tipos de doenças e riscos de infecção generalizada, todos no mesmo nível, incrível, quem dera lá fora no mundo livre fosse assim também, igualdade para todos.

Um senhor jogado as traças em um dos cantos da cela tossia como alguém à tempos pêgo pela pneumonia, misturada em seu pulmão com fumaça de cigarro, mais o visgo que vem da parede onde ele devia ter sua face encostada pelos últimos quinze anos, aquela humidade devia estar encrustada até os ossos do pobre velho, digo pobre pois não sei ao certo o motivo dele estar ali, vai saber quantas crianças ele pode ter mandado mais cedo para o céu na época da guerra ?

Jong era o nome de um chinês que à cada meia hora vinha até mim e batia forte em seu peito magro repetindo seu nome seguido de “XAAAIIIINÁÁÁÁ”, acredito que ele dizia CHINA na pronúncia em inglês, e supus Jong ser seu nome, de qualquer maneira, comecei a chamá-lo de Jong, pra dizer a verdade, nunca o dirigi a palavra, mas em minhas notas mentais, ele era apenas o Jong chinês. Pequeno, sujo, fedor igual ao dos cachorros de rua após uma semana de chuva, seus dentes, os poucos que sobraram, era negros e encrustados como corais do fundo do mar, algo viscoso sempre aparecia em sua língua quando desenrolava à falar, os dentes que tinham melhor disposição lembravam cobre falso enferrujado, com certeza em sua juventude foi enganado e teve seus dentes reais trocados por “puro” ouro, ouro de tolo.

Depois de algum tempo, o qual já era inútil tentar lembrar que existia, alguém em farda verde e mal passada, com um revólver quase enferrujado e botões da camisa necessitando costura, vem até a grade da cela e aponta à minha pessoa, de início o mesmo sorriso de Jong, uma parafernália no lugar dos dentes que lembrava o motor de um Dodge esquecido por vinte anos na rua da casa onde cresci, depois uma expressão séria, a qual dizia claramente que eu estava enrascado.

Fez sinal com os dedos dizendo para me aproximar, abriu a cela com uma mão rápida e precisa enquanto a outra descansava no punho da arma, mesmo acreditando que aquele revólver da segunda guerra recém saído do fundo do mar não iria funcionar, resolvi obedecer, já pensava comigo que deviam ter contactado alguém da minha família do outro lado do mundo disposto à pagar pelo projétil que iria atravessar minha cabeça num muro dos fundos daquela prisão.

Fui levado até uma janela onde me passaram um livro mais antigo que a bíblia sagrada, ordenaram que eu seguisse a sequência de assinaturas na linha em branco abaixo do último infeliz que ali passou, devia por meu nome, assinar, data, local de origem e tive de copiar uns códigos que nem imagino para que serviam.

Terminado o processo, vieram com um saco plástico o qual continha uma mochila surrada com roupas sujas, uma bota mais gasta que a dos soldados no Afeganistão, uma carteira com algumas fotos 3x4 de familiares, amigos e recibos de ônibus, lanchonetes e supermercados, todos usados como agenda telefônica, telefones de mochileiros rabiscados em algum encontro surreal ao redor do mundo. Sem dinheiro, apenas lenço e documento.

Com alguns empurrões fui direcionado à porta da frente, mandam que eu caminhe até o portão principal, alguém aciona e vejo a rua logo ali a frente. Percebo uns urubus à me espreitar, eram na verdade os guardas nas torres de vigia acima do muro, apontando seus brinquedos enferrujados para minha cabeça, nem pense em fazer qualquer retaliação ou gesto obceno, muito perto da liberdade para ameaçar dessa forma. Saio do portão, olho dos dois lados da rua, atravesso, tiro a bota de meus pés, sigo descalço pelas dunas de Nha Trang, vejo o mar lá embaixo. Sento no topo daquela areia mais antiga que o tempo, deixo o corpo e a mente voar por sobre o mar, sem destino, enfim livre.

Monday 10 January 2011

When travelling hurts


The fear of a blank page.

This must be the fear that most of good writers feels every day, or night.
In my case, a good glass of wine helps me a lot during this darkest times.So many things comes up after a little bit of boozing.

Now I can perfectly understand how the stories were made back in the medieval times, when those old lads stayed in drinking and dreaming their lives on a raining night, sometimes in a dirty pub among dirty women, sometimes inside their chambers, involved in candle’s light and their own loneliness, singing all the pain down the blank pages on their old desks, dusty and smelly like ships anchored round the shore.

My story today might sounds like an old tale, begins with a young lady laying on the grass, far from the civilization, far from her responsibility’s, far from her real life. The sun shines and it’s baking hot, she’s under a tree observing her love watching over her, he’s quiet, also handsome, he’s got an apple in his hands, and he cuts it with a sharp pocket’s knife with such a precision that it’s unbelievable he’s not a knight on shine armour.

He drinks from his glass, red and dark wine, warm and not sweet at all. The thick drink burns all the way down his throat and some tears comes easily out his eyes, he jokes about it and she laugh with grace, both continues embraced and caressing each other, the touch makes her fragile skin shiver, he uses a flower to bypass her whole body, saying that he wants the flower to pick her scent up so he could keep a memento from that moment.

Like a king he demands her love, and she, just like a queen, demands poems, affection, promises, long life, children, eternal care and love that lasts forever.

They don’t speak the same language, they are both in foreign country, eating and drinking from a place that their parents never thought would ever step on, in few days both of them will leave that little paradise, but nothing else matters, the time has stopped for them, they will be young forever in that little time encapsulated on the wine’s bottle.

How easily they get into that dream, he wishes she could follow him through all the way to his homeland, far from there, so strange from hers, and she just wants his hands massaging her feet while a bird sings its heart out loud, nobody can see them, and no one could understand such a fast relationship that grows fond in a silent noon, and will be terminated by morning, but remembered forever.

How hard it’s for a pilgrim of the world, to cross the meridians, tropics, seas and skies and keep his promises, or to love the moment and let it go in the next day?

It’s evening already, a gentle breeze blows their sweaty faces, and they decide to go down the beach, away from the forest, arms wide opened to the sea, she climbs his back and both go on a gallop jokingly, falling in deep, dark, turquoise waters, refreshing body and soul, her smile is definitely something else, he sits on the white sand, not worried, not thinking, not even breathing, just imagining what if that whole day could become their whole life from that moment on, but was a mistake to rely upon destiny, destiny was no where to be seeing that night, and she left next morning kissing his forehead, and till now, stings like a branded tattoo.