Tuesday 24 November 2009

Uma noite no Clube da Luta

Não espere poesia ou trivialidades, e se você não quer se chocar melhor esperar até o próximo post.
This is London, mate !

Antes do filme teve o livro e muito antes do livro houve a história real que acontecia (e continua acontecendo) no submundo Londrino, de onde surgiu a inspiração para tais meios.
Incrível a habilidade que tenho para conhecer as pessoas certas para as coisas erradas...
Sexta-feira à noite, saio com um amigo inglês, :'vamos a "caça"' como diz ele, de bar em bar e de balada em balada, porém no meio da madrugada percebemos que a noite nos enganou e só nos trouxe decepções.

Pergunto se ele sabe de alguma festa em apartamento, rave clandestina ou qualquer coisa que possamos nos divertir.. Vejo um lâmpejo passar por seus olhos e percebo que coisa boa não vem..
Ele saca o celular, faz algumas ligações e meia hora depois estamos na porta de um prédio no centro de Londres, totalmente escuro num beco sem saída, sem alma-viva por perto.

Algumas mensagens trocadas no celular e a porta se abre, em menos de 5 minutos ele me explica as regras e se eu entro ou não.
Regras: * uma vez lá dentro, ao menos em uma luta terá de participar;
* não se comenta o que acontece lá dentro aqui fora;
* não se faz barulho, não existe torcida, não se interfere;
* se acaso encontrar algum membro fora daquele lugar, faz de conta que não conhece;
* não matarás, mas pode tirar sangue à vontade.

Decido que quero saber como é por dentro...

O lugar cheira urina, aparentemente algum vigia noturno foi subornado para que pudessemos usar aquele porão, que além da urina deveria estar infestado de ratos, insetos, encanamentos de esgoto enferrujados, com vazamento e tanta coisa mais perdida pela escuridão daquele submundo. Os personagens no lugar parecem parte de um filme B, cada qual com seu papel.. mas eram ali reais, de carne e osso.. alguns engravatados de escritórios, banqueiros, pedreiros, caixas de supermercado, policial novato, policial quarentão quase aposentado.

Quando fiquei ciente de que esse tal clube existia de verdade, achei que seria uma espécie de vale-tudo, mas até aquele ponto percebi que tinha regras demais. Uma delas é nunca bata na porta, nunca ligue para abrirem a porta, o correto é mandar mensagem no celular do contato.
Não existe segurança cuidando da porta ou porteiro, ninguém pelo menos que se parecesse com um ou que estivesse agindo como tal.

O lugar não tinha nada de diferente de um porão de predio comercial, nenhum arranjo para o evento, mas percebi umas latas de cerveja numas sacolas plásticas deixadas num canto onde imagino serem máquinas de lavar roupas industriais entre tubulações gigantes de aquecimento do prédio. As pessoas ali agrupadas tambem não se pareciam nada como eu havia imaginado, nenhum personagem recem saído de um filme de luta.

Alguns cheiravam álcool, uns colônia barata e outros não cheiravam,fediam..
Tampouco se vestiam "para matar", não vi botas ou coturnos para intensificar a dor nos oponentes, também não vi nenhuma espécie de acessório para se proteger como caneleiras, jaquetas ou luvas. Os caras eram meros mortais ali reunidos para pôr o stress afora e o adversário nada mais era do que um alvo móvel, não era uma rixa pessoal ou vingança, e isso eu só fui absorver após uma hora tentando analisar a situação.

Diferente do vale-tudo eram as táticas entre os lutadores, não havia objetivo como neutralizar o outro, mas sim desferir os golpes sem muita técnica e com o máximo de força e raiva possível, de preferência no rosto. Qual seria essa obsessão com o rosto? Estariam eles vendo a imagem do chefe ignorante reproduzida no rosto um do outro? Seria a cara da mulher que o traiu? Ou seria o medo interior que seria impossivel lidar durante a luz do dia?

Não existe beleza naquilo, para ser sincero acho que não existe beleza nessa realidade nua e crua, mas aquele caos, com o silêncio quebrado só pelos grunhidos de dor e satisfação me tomam em um transe, fico perplexo como aquilo tudo se parece tanto com uma rinha de cães.
Meu transe só é quebrado quando meu amigo diz que um deles apontou para mim e que seria minha vez de "quebrar o pau" e ficar livre da responsabilidade da noite, ninguém sai sem ao menos uma luta, nem que seja para entrar na roda, tomar um tapa na cara e pedir pra ir embora.

O sangue sobe ao rosto, imagino que devo estar vermelho como um pimentão, e isso pode parecer sinal de fraqueza e medo às pessoas ao redor, e ao invés de estar pensado o que fazer no meu próximo movimento estou mesmo é preocupado com o que a torcida esta pensando de mim.
Mas isso tudo leva questão de segundos, de repente tudo some e fica tudo desfocado ao meu lado, levei um chute na coxa que não esperava e como um touro sem controle o cara vem para cima com punhos cerrados tentando acertar meu rosto.

Me esquivo, empurro, saio de lado e ainda não acho motivação para acerta-lo, como se não fosse certo bater em alguém que acabei de conhecer. O camarada não era um monstro, ate posso dizer que era praticamente da mesma estatura que eu e mesmo peso, estrutura física, mas algo me deixou preocupado, vi sangue no olho dele, vicio, ódio.. e o que me deixou com medo foi que ele não estava me vendo em frente dele, ele via um outro alguém e esse era o meu perigo.

Naqueles segundos iniciais pude notar que estava vagando em pensamentos, analisando muito, prestando atenção em detalhes que não vinham ao caso; o material da jaqueta jeans que ele usava; se a calça dele era de marca e se ele ficaria mais bravo se por acaso rasgasse; se minha camisa de marca iria se rasgar... Tudo o que nao se deveria pensar ali.
Decido rapidamente arrancar minha camisa e jogar num canto, errado! enquanto me enrolo tirando a camisa levo um soco no estômago que me da ânsia, o ambiente fica estrelado e com uma claridade que cega meus olhos.

Procuro me equilibrar e me apoio em alguém do lado que me empurra de volta pro conflito e então como num passe de magica entro no clima, aquilo aqueceu meu corpo e deixou minha mente alerta. Aqueles poucos anos de capoeira no passado me vêem num instante, acredito que é verdade o que dizem sobre memória física, tudo aquilo que aprendi e por anos nunca mais usei me aparecem naturalmente.

Meu pulmão arde pela respiração rápida e num piscar de olhos consigo leva-lo ao chão numa rasteira, ele me olha com surpresa e naquele momento não existe mais raiva ou ódio em seus olhos, mas sim medo. Ainda não acho nada que me faça ter a gana de massacra-lo, poderia chutar lhe a cabeça ou o estômago e minha hesitação o deu os segundos necessários pra ficar de pé e me mostrar que o tombo em nada lhe afetou à não ser pela resposta surpresa de um movimento tão incomum.

Ele ameaça dar me um outro soco no estômago e ao levar os braços para proteger-me acabo com um tapa no rosto e aquilo desperta algo dentro de mim, o suor que já escorre pelo meu rosto faz com que aquele tapa arda mais do que o normal e então consigo encaixar a palma do meu pé no peito dele o levando ao chão de costas. Ao cair ele perde o fôlego e vejo minha atitude mudar de caça à caçador e num segundo eu estava com os joelhos segurando seus braços e desferindo golpes em sua orelha.

Mas me senti um selvagem e sem propósito,não via prazer se era pra sentir isso ali e não vi meu stress sair, mas a adrenalina subiu e num reflexo percebi que o ponto alto pra mim era a negociação, o estar frente a frente e tentar prever o próximo passo e responder da melhor forma possível. Também noto que me faz bem usar a capoeira, relembrar algumas coisas que fazem parte da raiz brasileira, uma arte e que traz tanta surpresa aos olhos do adversário, mas engano meu achando que ele iria ficar me assistindo ir de um lado pro outro em acrobacias sem ao menos tentar acerta-lo, e foi no meio de uma estrela que recebi a joelhada na costela em troca daquele chute no peito que encaixei nele.

Caio sem ar no chão e só vejo ele se preparando a querer chutar minha cabeça, não consigo ver um pingo de clemência em sua expressão e só me resta defender da melhor forma possível.

O chute é aparado pelo meu antebraço e aquilo dói como o fogo do inferno, ele se desequilibra e uso minha perna para joga-lo ao chão, minha paciência acaba e naquela hora vejo que alguém precisa se machucar feio para que tudo acabe, caso contrário ficaremos nesse ballet a noite inteira. Eu estava melhor posicionado quando ele se levantou e ele não esperava que meu calcanhar alcançaria seu maxilar com tamanha velocidade, nem eu imaginaria que teria tanto sucesso na empreitada.

Quando ele tentou se levantar zonzo e aparentando não saber onde estava eu já havia colocado minhas duas mãos em volta de seu pescoço fingindo um ar de quem não estava de brincadeira e que aquilo tudo iria acabar em segundos e bem mal. Foi quando a platéia silenciosa entrou no meio e nos separou, todos estavam satisfeitos, e meu teatro funcionou, eles acharam que eu estava pronto para mata-lo sufocado.

Aproximadamente 40 minutos depois tudo estava acabado, a coisa toda não levou mais de duas horas, todos se cumprimentam, alguns se servem das cervejas nas sacolas no chão, alguns poucos comentários sobre a performance, alguns se apoiando no ombro do camarada, olhos extremamente inchados com sangue gangrenado, marcas de esfregadas no chão e suor.

Na volta para casa as pessoas não nos olhavam nos olhos, desviavam o olhar, como que por medo e aquilo dava uma sensação de prazer pelo poder exercido sobre os meros andantes, aquelas marcas eram como cicatrizes de batalha nos guerreiros em quem a coragem nunca falta.

Não sou masoquista, não sou de briga, não gosto de confusão e sou de libra.
Mas talvez naquela manhã em que me olhei no espelho eu talvez tenha visto uma outra pessoa com aquelas marcas e roxos no rosto sorrindo de volta, talvez tudo aquilo possa ter sido fruto da minha imaginação e aquele no espelho era eu mesmo escovando os dentes,
sem marcas e longe de se parecer com o Brad Pitt no Clube da Luta...


Friday 13 November 2009

Outono


Ele dizia a ela coisas de amor, promessas sem fundamento, porém com sentimento, e ela fingia nao entender, e dava lhe seu corpo em troca. Melhor um verdadeiro amante com mentirosas palavras do que falsos amantes e suas explicações absurdas.

Era uma boa troca de ambos lados, à ela um corpo quente e jovem onde se acabar, à ele um refúgio experiente sem a necessidade de se auto afirmar.

Ela em sua loucura premeditada por desprezo e desapego do mundo exterior se apegava aos prazeres da carne e banhos de chuva ao fim de tarde como que para lavar sua alma dos pecados passados, já ele se perdia entre suas poesias sem rima, se escondendo da civilização, uma vez que achava não se encaixar na mesma, entre uma prosa e outra buscava inspiração entre ela, mesmo que por poucos minutos.

As lágrimas dela caíram como folhas de outono, apesar de seu corpo suar naquele verão.

Ele amadureceu e o mundo colocou razão em seu caminho, optou pela fórmula prática e segura de seus avós, exemplo de familia.

Hoje ele senta na varanda e relembra a cor dos cabelos dela nas folhas por cair, vermelhas queimadas pelo sol, e ela, insandeceu naquele outono para não mais ter que chorar.