Friday 9 April 2010

A mulher do jardim de rosas



Quando era pequeno vivi com meus avós, incrível como a lembrança me trás tão boas recordações.
Em frente a casa havia um pequeno jardim, onde minha avó cultivava suas plantas, mas o que mais chamava atenção eram suas rosas. Vermelhas e brancas, motivo de atenção dos passantes, hora ou outra pegávamos alguém esticando os braços pelo portão à tentar rouba-las, minha avó de bom coração costumava dizer as pessoas para que pedissem, pois a maneira certa de se tirar uma rosa era cortando à com tesoura, só assim continuariam a crescer saudáveis.

Minha tarefa e de meu avô era remover as ervas daninhas, adubar a terra e limpar os arredores, a poda era sempre feita por minha avó, com suas mãos habilidosas que até hoje não vi alguém.

Esse ritual costumava acontecer aos sábados pela manhã, seguido pela faxina da casa que brilhava todo fim de tarde, o cheiro do lustra móveis é o que mais me transporta para aquela época e lembrar a euforia com que eu recebia meus tios aos berros no portão quando vinham visitar me faz gargalhar à toa.
Logo após o ritual do sábado terminado, era a hora do meu avô abrir a cerveja dele no quintal e ficar ali sentado com seu radinho de pilha, ouvindo os clássicos jogos do tricolor dos anos 80, quando ainda tínhamos o Zetti, Raí e Telê Santana como ídolos.

Apesar de nunca ter sido fanático como meu avô, acabei torcendo pelo São Paulo pela admiração ao meu velho e por conta de um jogo de botão que ganhei com o brasão tricolor, psicólogo nato soube me ensinar muita coisa nos 17 anos que pude aproveitá-lo, minha matemática foi ajudada à base de jogos de escopa 15, ensinou me também truco e outros jogos mais de baralho assim como sua forma de viver a regras, horários, tudo à seu tempo devido e nada fora do lugar.

Alegria de meu avô era levar me pelo bairro mostrando com orgulho seu 1o. neto e companheiro, me fazia apertar as mãos gigantes de seus compadres pelas quitandas, supermercados e botequins da vila, homens judiados pela vida e naquele tempo desfrutando de suas aposentadorias merecidas. Ganhava como recompensa meus gibis, doces e coca-cola nessas andanças, me ensinou a barganhar e fazer negócios no ferro-velho, me ensinou a ser alguém de valor e a dar valor.

O homem austero e regrado um dia foi levado, deixou como seu legado o patriarquismo, a noção de que um homem tem que tomar conta de sua família e ter seus amigos sempre por perto, fazer nada mais que o bem e almejar nada mais que um teto e comida na mesa.

A mulher do jardim de rosas enviuvou, ela perdeu seu companheiro de longa data e eu perdi meu avô, foram se anos em luto, passávamos horas relembrando um ao outro sobre cada momento, as manhãs no barracão do quintal onde ela costurava freneticamente os colchoados e meu avô tirava rebarbas de panos e fiapos de costura, enquanto eu aproveitava algumas horas antes da escola deitado nos montes de tecido ouvindo moda de viola no radinho de pilha. Lembrávamos também das repreensões por conta de eu usar as ferramentas do velho sem supervisão, queria ser hábil como ele na marcenaria ou em suas invenções .

Dez anos depois foi a minha vez de deixar a minha avó, botei a mochila nas costas e vim para o exterior, com o coração partido dei adeus e tentei explicar que os tempos mudaram e que precisávamos complicar nossas vidas um pouco mais, ela então com sua fonte inesgotável de amor para com seus rebentos, plantou uma árvore em seu quintal a qual me representaria nesses anos de exílio.

Acredito que comigo longe ela deve estar podando esta árvore, assim como ela me podou no passado e me transformou em grande parte do que sou hoje, ao menos a parte boa, a outra ficou por conta do mundo.

3 comments:

  1. PARABENS!Lindo texto em homenagem a seus avos...

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  2. Essa história da árvore é simplesmente linda!
    Parabéns Cris!!!

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