Tuesday 6 October 2009

Gaudí num céu de Monet

Ao chegar em Barcelona sem reserva num hotel e exatamente à meia noite, sem mapa, lenço e quase sem documento, restou me andar sem rumo pela cidade insadecida até o amanhecer.

Um café me salvou até às duas da manhã, quente e acordado resolvi tomar o rumo para a Catedral, num bairro longe e de certo mal cheiro aos sábados durante a madrugada.

Vou com calma, sem pressa, não tenho hora para chegar ou encontro marcado. Passo por todo canto primeiro, Praça de Espanha, Praça Catalunya e então me vejo nas Ramblas dos jovens espanhóis embreagados.

Como toda estrada leva à Roma, acredito que toda calle Catalã leva à uma Catedral, uma vez que estava do outro lado da cidade, e la estava ela, imponente em suas torres como que inquisição apontando para os céus.

Não demora muito a vencer a noite, há tempos sou criatura noturna, me dou bem com ela e fizemos as pazes anos atrás, e acredito que as almas perdidas que tentam me vender coisas ilícitas pelas vielas percebem isso ao me olharem nos olhos e se afastam mais com medo de mim do que eu deles.

E então o céu quebra em cores onde poucos homens conseguiram reproduzir, de súbito vem o medo do amanhecer sagrado, as luzes por detrás da Catedral brinca com minha íris, engana-me com tons que só Monet viu em seus sonhos mais profundos e que tentou reproduzir insatisfatoriamente de acordo com ele mesmo, e que mesmo assim é um triunfo da raça humana.

Num vacilo dos meus olhos tudo se foi, o céu é azul e a claridade toma conta do mundo novamente, já não me sinto tão dono daquele momento, preciso de um café para encarar o sol.

Peço meu capuccinho como de costume em um café tão quão charmoso como os da Champs Elisée, mas aqui pode se optar por um toque de Bailey's.

Do outro lado da rua, vejo um casal visivelmente no rumo de casa após uma noite das melhores, tentando tirar o máximo proveito de seu tempo, agem como dois felinos à provocar-se no que mais parecem serem golpes de sêde ao buscar água na boca um do outro, o olhar fixo mirando um ao outro deixa mais claro que o dia de que eles estão num mundo à parte, só deles e de mais ninguém.

Eu, intruso, peço à conta, junto meus guardanapos rabiscados e sigo meu rumo, afinal Barcelona ainda não foi desbravada por mim, ao menos não nessa encarnação.

1 comment:

  1. UAU! Guardanapos rabiscados, é? Ôba! Então tem mais...

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