Tuesday 4 August 2009

Traffic Lights

Minha experiência no Brasil com semáforos nunca foi muito boa, sempre más recordações, sempre alertas na mídia dizendo o quão perigoso era parar em determinados pontos da cidade grande e quantas pessoas perderam suas vidas ao longo dos anos tanto por respeitar o sinal de trânsito como também por desrespeitá-lo.
Uma das cenas mais fortes que já vi num semáforo foi em São Bernardo do Campo, recém chegado do interior com 19 anos de idade e tentando se adaptar aquela agitação do ABC Paulista, parado na fila de carros no sinal vermelho, vejo uma moto parar do lado do primeiro carro na fila, um Jeep Cherokee "zerado" como costumamos dizer no interior, o garupa na moto saca um revólver e bate no vidro da caminhonete, pede ao motorista qualquer coisa de valor, estando eu à 4-5 carros atrás na fila, só pude perceber que o motorista se negou à obedecer: carro blindado.
Quem dera nossos criminosos usassem sua inteligência e "esperteza" para o bem.
Ao perceber que o carro era blindado, o garupa desce e vai ao segundo carro da fila, que era um popular "bem acabado" porém com uma criança no interior, ao tirar o bebê de sua mãe aos gritos, volta ao carro blindado e ameaça matar a criança caso o executivo não o obedecesse, de longe vejo a mão de dentro do Jeep passar carteira, relógio, jóias, radio, bolsa e tudo o que fosse possível para comprar a vida do bebê.
Indignação, impotência e muitos outros adjetivos para incapacidade se passaram por minha cabeça naquela hora, e só restou me o alívio de ver aquela frágil criança viva chorando no meio fio, uma tragédia pior foi evitada e como diz minha avó: "Vão se os anéis, ficam os dedos."
Alguns anos depois, li em José Saramago a descrição de um homem parado no semáforo, enquanto todos os outros buzinam para que arranque e ele só responde: - Estou cego!
"os olhos do homem parecem sãos, a íris apresenta-se nítida, luminosa, a esclerótica branca, compacta como porcelana. As pálpebras arregaladas, a pele crispada da cara, as sobrancelhas de repente revoltas, tudo isso, qualquer o pode verificar, é que se descompôs pela angústia." retirado do "Ensaio sobre a Cegueira" - José Saramago
Esse é um dos primeiros parágrafos de um livro que mostra à que ponto chega o ser humano em uma situação caótica, que por tão forte e convincente demonstração de que sem sombra de dúvida aquela literatura se tornaria verídica num caso real, deixou essa marca em minha pessoa como um acaso triste de semáforo, afortunadamente apenas na ficção do velho escritor Português.
O terceiro evento em um semáforo está bem fresco em minha memória, aconteceu hoje cedo, do outro lado do mundo, bem aqui em Londres, no bairro onde moro.Parado no meio da rua estava um carro simples, de cor azul mas irrelevante a marca, também por que não à levei em conta, o fato é que estava lá, parado quando o sinal já estava no verde, carros buzinavam atrás e quando cheguei naquele ponto com minha moto, ele, o sinal, já havia fechado novamente. Percebi que o motorista do carro de trás havia descido e foi checar o motivo da greve adiante.
Percebo que o tal ao olhar dentro do carro, saca de seu celular e com certo desespero tenta abrir o carro parado ao mesmo tempo que disca algo em seu telefone.Paro ao lado, respeitando o sinal vermelho e olho também dentro do carro por curiosidade, imaginando algum novato no volante que para minha surpresa era uma mulher entre seus 30-40 anos de idade, estática, caída de lado segura pelo cinto de segurança e com olhos parados como se estivessem me questionando, ela olhava exatamente na direção onde eu estava, mirava me os olhos, como se enxergasse minha alma.
Nesse momento alguém tenta abrir a porta do passageiro, todas trancadas. Alguém grita que os paramédicos estão à caminho, naquela mesma avenida tem um hospital, mesmo assim me dói ver que a mulher está lá, provavelmente sem ouvir a buzina dos apressados, poderia ter sido um ataque cardíaco, alguma daquelas veias que bombeiam sangue ao coração pode ter entupido e penso o quão aquele cinto de segurança tem ajudado a agravar a situação à cada segundo que passa.
Não penso duas vezes, tiro meu capacete, boto em meu ombro e quebro o vidro do passageiro. Ouço gritos de desaprovação, alguém diz para não mexer no "corpo", outro fala que serei preso por algum tipo de atentado ao bem alheio.Na minha cabeça de analista de sistemas, me vem o seguinte fluxograma:
- Abrir a porta para entrar o ar;
- Apoiar a cabeça e o tronco da pessoa e soltar o cinto de segurança ;
- Checar respiração, colocá-la em posição horizontal e começar massagem cardíaca.

Quando estava prestes a pedir ajuda para deitá-la o resgate chegou com a equipe de paramédicos, prontamente entreguei a situação aos profissionais e esperei o resultado, ninguém mais buzinava mas ainda ouvia desaprovação aos meus atos.

Em poucos segundos ela foi conduzida de maca à ambulância, um dos paramédicos voltou e agradeceu pelo suporte dizendo que minha atitude pode ter sido fundamental no salvamento de uma vida. Pergunto se ela vai ficar bem, ele me passa o telefone de onde estão à caminho e um código para checagem, visto que ainda não sabíamos a identidade da mulher.

Algumas horas atrás sem conseguir pensar em outra coisa, ligo e recebo a notícia de que Rose Parker Smithson está se recuperando daquilo que foi diagnosticado como AVC de baixo nível, o que significa que ela não terá nenhuma sequela e possivelmente viverá uma vida normal daqui para a frente.

O paramédico disse para eu não me preocupar que o governo vai pagar o vidro do carro que eu quebrei =)

2 comments:

  1. Que herói!!! Tá todo mundo muito apressado pra perceber o que o sujeito do lado pode estar precisando. Mesmo que seja algo gritante como socorro de um AVC!!! Parabéns!

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  2. Caraca Cris!
    Que bacana!!!!
    Olha, vc vai amar Os Pilares da Terra. Mundo sem Fim é uma espécie de continuação com personagens de uma outra geração. Mas, não posso opinar ainda pois não acabei de ler. Mas, os pilares... show!

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