Thursday, 2 June 2011

Em busca do sem fim

Por que precisamos de tragédia, do drama, de histórias em nossas vidas, tudo desde o comeco parece tao mais bonito quando contado em formato literal. 

Um dia a muitos e muitos anos atrás estava sentado sozinho embaixo de uma árvore espacosa, descalco, bermuda velha e camiseta furada, ao lado minha blusa de moleton com as mangas amarradas, formando uma especie de sacola onde eu guardava as frutas roubadas nos sitios vizinhos, onde ate os caes de guarda eram meus amigos. 

Na verdade eram eles preguicosos, daqueles que assim como os mexicanos, fazem a hora da ciesta, e nessa hora em que eu pulava as porteiras alheias, eles apenas levantavam as orelhas, olhavam de forma brejeira e ali me deixava quieto em meu delito.

Subia o morro e ficava la de cima vendo o tempo passar, escutava o silencio, sentia uma forca em ver a vila la embaixo, mansa, nao quieta, mas tambem sem algazarra de cidade grande, compadres passavam pelas ruas baixando os seus chapeus em respeito um ao outro, comadres ficavam pelas esquinas contando seus contos, criancas cacavam seus passarinhos com estilingues ou se esbaldavam pelos bracos de rio ao redor, pequenos exploradores assim como eu.

Acordava assustado sem ter visto o tempo passar, acordava pelo barulho do gado passando ao lado em direcao ao ribeirao no final de tarde, por algumas vezes vinha junto um boiadeiro, daqueles de 15 anos de idade, com pedaco de capim mascando entre os dentes, chapeu de palha batido daqueles que passaram dez anos entre sol e chuva no canavial, botinas gastas e maiores do que seu pé que causavam bolhas imensas.

Nao sabia dia do mes, tampouco da semana. As horas eram contadas pelas batidas do sino da igreja, até entao eu acreditava que era o padre realmente que puxava uma corda e fazia com que o sino badalasse, alguns anos mais tarde descobri que era apenas um auto-falante e uma gravacao rustica que tocava automaticamente dizendo a hora para a vila inteira ouvir. 

Só quem estava lá pode dizer o quanto nos aterrorizou o toque de meia noite e meia, o silencio do interior, a nevoa que envolvia toda a vila por ser povoada ao lado do rio, as historias mais mirabolantes contadas durante o dia vinham a tona nesse horario, e nossas cabecas atormentavam ate o cansaco chegar e fazer com que desmaiassemos em sono profundo, acordando pelas manhas salvadoras de sol e cheiro de café passado.

Lá de cima do morro eu via todo dia ela passar, a menina de bicicleta que vinha pra vila todo dia no mesmo horário, saía pela estrada do meio dos cafezais, imagino morar num sitio pelos arredores, e deveria vir a vila para trazer coisas ou buscar mantimentos, usava sempre a mesma saia rodada branca de rendas sujas nas pontas, tinha os cabelos louros e rebeldes, uma brancura na pele que reluzia luz do sol e de longe se podia ver que sorria ao descer a estrada por detrás do morro, sem freio, sem medo e com o vento como seu amigo.

Imaginava ela cantando enquanto pedalava aquelas estradas poeirentas, devia assobiar belas cancoes, daquelas que tocavam em radio AM que nossas avós sintonizavam pela manha, de vez em quando soltava uma das maos e tentava desajeitadamente arrumar o cabelo, parecia até saber que eu a estava observando dali de cima, e sonhandoem um dia a encontrar, poder dizer um oi e perguntar se poderia a conhecer melhor. 

Nunca aconteceu.

Tenho saído por esse mundo afora sem exito, algumas vezes tentei me enganar entoando discursos de que queria experimentar novas culturas, mas na verdade estive mesmo em busca daquele ser que quero pra ser meu par, da metade da laranja, tampa da panela, alguém pra compartilhar momentos e segredos, alguém pra chamar de minha, e a tarefa cada vez fica mais dificil, pois o mundo esta agora cada vez menor, ao menos em meu mapa. 

A encontrei por diversos lugares, momentos impróprios, horas desacertadas, noites esculhambadas e manhas de ressaca, durante jantares a luz de vela, almocos de domingo na feira, em passeios de maos dadas pelos parques e picnic na sessao da tarde, esse amor eu achei nao por uma, mas por diversas vezes, e ainda tenho a esperanca de que um dia será pra sempre, e que esse sempre será pra qualquer lugar...

Saudade da simplicidade nas tardes debaixo da arvore, onde o amor se resumia em ve-la passar com o vento em sua bicicleta...

1 comment:

  1. Era exatamente essa tampa pra minha panela que eu queria encontrar e só descobri isso há pouco tempo, muito tempo depois de estar com o Malcolm! Como a gente, se dizendo inteligente, demora pra entender a essência da nossa existência, não?! Boa sorte, meu amigo. :-x

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