Encostado numa árvore à beira de uma rua não pavimentada no bairro de San Cristobál, lá pela Calle 18, travessa da Carrera 7, gasto meu tempo à vê-lo passar. Vejo um bando de meninos chegar em uniforme, muito falantes, sapateando pelas pedras soltas da rua, chutando latas enferrujadas, gritando com as velhas nas janelas, jogando pedras nos cachorros largados e atentando os gatos vadios.
Correm para dentro de suas casas, mais gritos, suas mães tentando os fazer comer algo, televisão falando sozinha num canto da casa, destoando a tarde pacata. Em pouco tempo todos estão de volta, em seus shorts rasgados, camisetas surradas e esburacadas, chinelos de borracha gastos pelas peladas de rua, cada um com um instrumento que me lembrava algo musical.
Buscam pelas latas chutadas e vão formando um círculo, alguns trazem pedaços de madeira velha para se apoiar, outros apenas se deixam largar pelo chão, nem um pouco preocupados pelo córrego a céu aberto que passava numa canaleta improvisada na lateral da rua, como uma sinfonia, cada um faz o preparo de seu instrumento, pequenos violões desafinados, um tambor com couro de cabra, uma gaita surge do bolso de um deles e outro acrescenta algo que não me vem a cabeça o nome, mas que produz algum ruído aquela congregação.
Entre risadas e brincadeiras, tocam sua rumba, tocam suas canções desafinadas e seus hinos infantis, mesmo que em nada se pareça com uma verdadeira música, o efeito sonoro os trás tão bela animação.
Um velho descamba de seus aposentos, acordado de sua ciesta pelo relógio natural da tarde, passa pela cozinha onde a chaleira assobia o café pronto, busca no armário amarrado à parede uma caneca de alumínio com a imagem de Nossa Senhora, acena para sua velha esposa sentada numa cadeira de balanço prendida à seu tricô, e então sai para a rua.
Senta-se numa pedra posta ao lado da parede feita de barro e tijolos velhos, camisa amarrotada, botões a querer pular, calça de um brim bege tanto pela poeira como pela origem, seus pés tinham tantas rachaduras como o árido solo do sertão, seu chinelo feito de um couro curtido já se desfazia como cadáver de algo que já fora vivo um dia, suspira, tira do bolso seus papelotes, um canivete velho sem fio, uma goma de fumo, e começa seu ritual a criar seu momento de paz.
Seu bigode evidenciava o tempo em que fumava, por meus cálculos, mínimo de 40 anos pela mancha amarela naqueles fios brancos envelhecidos, seus olhos gastos pela catarata, num azul marejado e coberto pela névoa branca da idade. Pediu aos meninos que tocassem algo mais apropriado, talvez algo de sua época, algo que o recordasse dos tempos em que era ele ali a buscar por afazeres em sua juventude, do correr descalço pelas vielas esburacadas, à se esconder pelos barracos abandonados, ou pelas lajes proibidas das casas coloridas onde se chegava pendurando-se pela árvore vizinha.
Buscaram nos recônditos de suas memórias algumas canções tocadas por seus avôs e forçaram algumas notas goela abaixo, satisfez o velho com seu cigarro, seu sorriso leve mostrava que já não estava mais ali, estava longe em seu sonho, sonho que continha saias rodadas, comidas picantes, mulheres ardentes, garrafas vazias, tardes na colheita, noites na estrebaria com seu amor às escondidas, farras nos bares da cidade, e uma luz ressaqueada do sol amanhecido.
Um dos meninos chamava pelo velho, pedindo outra canção que pudesse acompanhar, sua resposta era apenas um rosto ligeiramente calmo, olhos fechados tristemente, mas num sorriso tranquilo, seu cigarro jazia pelo chão, seu braço direito caído ao lado do corpo, sua mão esquerda descansada sob a barriga estufada, seu sonho o levara. Se expirou numa tarde de segunda, assim como veio, se foi num piscar dos olhos, atrás das saias rodadas e das garrafas por esvaziar.
Ai! O tiozinho morreu?!!
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