Em meio aquela chuva ela continuava a correr, como se tentando escapar de seu destino que vinha logo atrás, seus cabelos negros escorriam como seda por sua pele branca como leite, seus olhos marejados brilhavam como o azul do oceano em dia de sol, o verão tinha apenas começado.
Ele havia esquecido a chave dentro do carro e quando bateu a porta se deu conta do terrível engano, se perguntava por quê essas coisas acontecem sempre na pior hora, iria se atrasar para a entrevista, já não era suficiente estar desempregado à algum tempo, tinha também de ter má sorte nos momentos cruciais para completar o quadro.
Ao atravessar o parque correndo para pegar o ônibus, escorrega em uma poça d'água e seu sonho de uma carreira brilhante é arruinado naquele instante, já não lembra seu nome ou em que mês está, tamanha sua dôr.
Ao ver aquele engravatado correndo em sua direção com ar de preocupado, ela se esquece por alguns segundos de seus próprios problemas, ele aparenta ter um peso muito maior em seus ombros, até o segundo seguinte onde ele vai para o chão como que desafiando a lei da gravidade e então ela percebe que o dia dele começou bem pior do que o dela, e isso a deixa desconfortável, naquela manhã ela queria que o céu desabasse por sobre sua cabeça, não sobre a de um pobre desconhecido qualquer.
Ao abrir os olhos e se deparar com o oceano a encará-lo, pergunta: "quanto tempo você levou até aqui?"
Ela sem entender pergunta em resposta:"como assim?"
-"você não veio do céu pra me buscar? Você não é um anjo? OK, essa é das antigas, mas com a dôr que eu estou sentindo não consigo pensar em nada melhor..."
E aquele sorriso inesperado salvou não só o dia de ambos, mas também aquele verão.
Terminaram o dia em um café, não perceberam que foram longas horas conversando com uma única pausa em que ele ligou para sua entrevista com uma boa desculpa, ao que responde do outro lado da linha de que a reunião era mera formalidade, o emprego já era dele.
Passaram aquele outono construindo sua vida num álbum de fotos que mais tarde transformou-se em um castelo de cartas, ficaram ali fotos dos buquês de flôres aos sábados de manhã, jantares surpresa à luz de velas e domingos preguiçosos a beira da cama.
Naquelas fotos estavam promessas escondidas de filhos para montar um time de futebol ou uma companhia de ballet, férias aos 40 anos em lugares exóticos, cafés à beira do Sena aos 50 e degustação de livros na varanda debaixo do cobertor aos 60.
Se tornaram vicio um do outro, cada instante longe era insuportável, a voz no telefone já não acalmava aquela fome.
Certo dia a beira da cama ele confessa seu sonho de viver sua velhice no campo, casa simples, vastos pastos gramados com animais e um lago, ela por sua vez tem em mente aquele apartamento no centro próximo daquele restaurante e de seu teatro preferido, sem se esquecer do parque para suas longas caminhadas no final de tarde.
Sem ao menos perceberem, assim se foi, eram duas pessoas que se tornaram uma só e essa pessoa foi envenenada pelo tempo que a partiu em pedaços e que não rimavam.
As flores de bom dia se transformaram em recados na geladeira, no lugar dos poemas ficaram as contas de luz e telefone colados no calendário, e a data daquele dia no parque, que era marcada em vermelho, já não tem sido comemorada nos últimos anos, lembrava os sempre daquele jantar em que ele atrasou e ela não sorriu, dividiram a garrafa de vinho e discutiram amenidades, no final da noite a data caiu no esquecimento assim como a paixão que os mantinha acordados noite afora no passado.
Ele havia esquecido a chave dentro do carro e quando bateu a porta se deu conta do terrível engano, se perguntava por quê essas coisas acontecem sempre na pior hora, iria se atrasar para a entrevista, já não era suficiente estar desempregado à algum tempo, tinha também de ter má sorte nos momentos cruciais para completar o quadro.
Ao atravessar o parque correndo para pegar o ônibus, escorrega em uma poça d'água e seu sonho de uma carreira brilhante é arruinado naquele instante, já não lembra seu nome ou em que mês está, tamanha sua dôr.
Ao ver aquele engravatado correndo em sua direção com ar de preocupado, ela se esquece por alguns segundos de seus próprios problemas, ele aparenta ter um peso muito maior em seus ombros, até o segundo seguinte onde ele vai para o chão como que desafiando a lei da gravidade e então ela percebe que o dia dele começou bem pior do que o dela, e isso a deixa desconfortável, naquela manhã ela queria que o céu desabasse por sobre sua cabeça, não sobre a de um pobre desconhecido qualquer.
Ao abrir os olhos e se deparar com o oceano a encará-lo, pergunta: "quanto tempo você levou até aqui?"
Ela sem entender pergunta em resposta:"como assim?"
-"você não veio do céu pra me buscar? Você não é um anjo? OK, essa é das antigas, mas com a dôr que eu estou sentindo não consigo pensar em nada melhor..."
E aquele sorriso inesperado salvou não só o dia de ambos, mas também aquele verão.
Terminaram o dia em um café, não perceberam que foram longas horas conversando com uma única pausa em que ele ligou para sua entrevista com uma boa desculpa, ao que responde do outro lado da linha de que a reunião era mera formalidade, o emprego já era dele.
Passaram aquele outono construindo sua vida num álbum de fotos que mais tarde transformou-se em um castelo de cartas, ficaram ali fotos dos buquês de flôres aos sábados de manhã, jantares surpresa à luz de velas e domingos preguiçosos a beira da cama.
Naquelas fotos estavam promessas escondidas de filhos para montar um time de futebol ou uma companhia de ballet, férias aos 40 anos em lugares exóticos, cafés à beira do Sena aos 50 e degustação de livros na varanda debaixo do cobertor aos 60.
Se tornaram vicio um do outro, cada instante longe era insuportável, a voz no telefone já não acalmava aquela fome.
Certo dia a beira da cama ele confessa seu sonho de viver sua velhice no campo, casa simples, vastos pastos gramados com animais e um lago, ela por sua vez tem em mente aquele apartamento no centro próximo daquele restaurante e de seu teatro preferido, sem se esquecer do parque para suas longas caminhadas no final de tarde.
Sem ao menos perceberem, assim se foi, eram duas pessoas que se tornaram uma só e essa pessoa foi envenenada pelo tempo que a partiu em pedaços e que não rimavam.
As flores de bom dia se transformaram em recados na geladeira, no lugar dos poemas ficaram as contas de luz e telefone colados no calendário, e a data daquele dia no parque, que era marcada em vermelho, já não tem sido comemorada nos últimos anos, lembrava os sempre daquele jantar em que ele atrasou e ela não sorriu, dividiram a garrafa de vinho e discutiram amenidades, no final da noite a data caiu no esquecimento assim como a paixão que os mantinha acordados noite afora no passado.
Em um dia dos namorados cinzento, chovia e ele precisava ir ao escritório resolver alguns últimos detalhes de um projeto, acordou, olhou do lado e ela dormia calmamente. Sua vontade era dar lhe um beijo de bom dia, pedir perdão pelos últimos anos apáticos em que trocaram as prioridades. Mas também pensou que depois de tanto tempo poderia soar hipócrita numa data comemorativa.
Ela então abriu os olhos, deixou escorrer uma lágrima, e pensava o por quê havia fingido estar ainda dormindo ao invés de pedir lhe que ficasse mais um pouco na cama, que sorrisem um ao outro, deixando as histórias serem contadas e lembradas por suas pupilas, e que em um beijo tudo fosse resolvido, e que aquele gesto fosse o antídoto para o veneno que o tempo injetou naquela relação.
No caminho para o trabalho, resolveu fazer um atalho e passar em frente ao parque onde à alguns anos tinham se conhecido, primeiro passou no mesmo café em que tiveram seu primeiro encontro, pediu um capuccino para viagem, estacionou o carro próximo aquele ponto onde havia caído e ela havia o ajudado à se levantar, sentou se em um dos bancos e ficou vendo o tempo passar.
Notou um menino chorando com um filhote de labrador em seu colo, o cãozinho teimava em lamber suas lágrimas, e ele conversava se desculpando por alguma razão. Esqueceu seus problemas por um instante e perguntou ao garoto se estava tudo bem, ele o disse que o filhote foi achado abandonado e queria ficar com ele, porém os pais não queriam um cachorro dentro de seu apartamento.
Perguntou ao menino se ficaria menos triste se o cãozinho tivesse um lar em que ele pudesse visitá-lo, ao que concordou prontamente e com um sorriso entregou o filhote.
Desistiu de ir trabalhar, nada era tão urgente que reconquistar o amor que perdera naqueles anos cruéis. Passou em uma floricultura, comprou rosas vermelhas, uma caixa de chocolates no mercado ao lado, alguns pães frescos para o café da manhã e voltou para sua casa. Ela continuava na cama, com os olhos inchados das lágrimas derramadas, ele abriu a porta com um buquê em seus braços, e o filhote correu por entre suas pernas para então pular em cima da cama, pronto à lamber mais lágrimas de um mundo em que quase nada conhecia.
Em silêncio passaram a manhã com suas xícaras de café, observando o novo morador destruir alguns cobertores, rasgar algumas almofadas, e trazer vida para aquele lugar onde à muito vivia em tristeza. Sem terem trocado sequer uma palavra, tudo havia voltado como no primeiro instante em que se conheceram. O silêncio foi quebrado com a notícia de que estavam à espera de seu primeiro filho, e aquele amor que parecia ter secado como uma árvore antiga dos sertões, de repente floresceu como um jardim na primavera.
... e viveram felizes para sempre.
Seja feliz, Cris. :-x
ReplyDeleteOlá, achei incrível seu site. É uma pessoa de uma sensibilidade aguçadíssima, então tudo que escreve é recebido de forma mais suave, por assim dizer. Parabéns
ReplyDeleteRayane