A primeira vez que vi meu pai chorando, ao menos à vez em que eu me lembro, foi quando meu avô morreu, Purfírio. Ele não era pai de meu pai e sim seu sogro. O amor entre os dois era de pai pra filho, o tratamento pelo que presenciei desde nascido era esse mesmo, um pai para meu pai, um filho para meu avô.
No dia em que o velho faleceu, meu pai foi até a igreja me avisar, estava prestes à fazer minha 1a comunhão e lá estava eu aprendendo os sacramentos. Senti algo errado ao ver os olhos verdes de meu velho marejados e vermelhos, mas ainda sem uma lágrima.
Naquela noite fiquei em casa, trancado. Não queria ver ninguém e só queria que os dias passassem. Prometi a mim mesmo não chorar, ser forte e também não queria vê-lo em seu funeral, ao que trouxe minha mãe aos berros em meio ao seu pranto.
Sem maneira de contradizer a dona Tere, no outro dia me botam no carro e vou até a casa de meus avós onde se desenrolava o velório. Aceno para os tios, primos, parentes e amigos pelo portão, de cara percebo quem é o piadista da vez, pois velório sem piada, não é velório e dizia que meu avô estaria lá no céu naquele momento gritando truco na orelha de seu compadre Plácido, o famoso Prácidinho que havia falecido à pouco tempo. Entro na sala e vejo ali dentro daquele lugar aparentemente confortável um senhor de semblante calmo, bigode bem aparado, terno bem afeiçoado e suas mãos enrugadas dobradas por sobre a barriga magra.
Forte como prometido, fiquei ali, parado observando aquele que também foi meu pai, que me levou de mãos dadas tantos anos para a escola, para o supermercado, para a banca de jornal e para os butecos do bairro, aquele que me ensinou a jogar baralho e me mostrou algumas regras de futebol, o velho sem muita paciência que me ensinou segredos de marcenaria e que me deixou tantas ferramentas de herança. E nenhuma lágrima minha escorria. E então vejo meu pai na porta, sozinho em suas lágrimas, meu super-herói derrotado... e então minha força também se foi.
Da sala se ouvia o choro inconsolável de minha avó que vinha do quintal, amparada por suas irmãs. O ritmo de minhas lágrimas aumentavam de acordo com aquela tristeza, e ela me dizia: "- O vô se foi fio, o vô se foi, e agora ?" "Agora" perguntava eu em pensamentos, ao procurar consolo em meu velho, só achava os olhos verdes afundados naquele mar de lágrimas.
Anos se passaram, o conforto de certa maneira veio à todos naturalmente, ainda penso muito em meu avô e em seus ensinamentos, trago dele parte de suas implicâncias, também trago um chaveiro que ele pendurava no retrovisor de seu Fusca, uma pequenina faca em miniatura guardada em um coldre de couro, entre outras lembranças.
Chegou então o dia em que fui embora, deixei casa, família e uma vida para trás e botei o pé no mundo atrás de aventuras, naquele dia não me perdoei por mais uma vez trazer meu velho à lona, seus olhos tranquilos e verdes marejaram novamente, deixou ir porém não sem antes me abraçar tão forte que relembrei o motivo pelo qual achava ele ser meu super-herói. Homem bom esse que até hoje não vi igual, alguém que em sua simplicidade, honestidade e tranquilidade faz com que o mundo pareça fácil.
Mas um dia eu falhei, no dia em que o pai de meu pai se foi, eu não estava lá, estava aqui, longe, bem longe. Não nos conhecíamos direito, eu e meu outro avô, coisas difíceis de se explicar em família, mas tivemos pouco contato. Sei que o "seo" Zé Amaro foi alfaiate, dos bons, costurava dia e noite, andava de bicicleta barra-forte, a qual eu e meus primos roubávamos de vez em quando para descer a ladeira de sua casa, nos raros eventos em que nos reuníamos.
Achava engraçado quando o vô Amaro confundia os nossos nomes e sempre invertia, já era um sinal do tal Alzeheimer. Muitos anos depois, foi também vencido pelo cansaço de suas pálpebras, e eu, eu não estava lá para ver os olhos verdes de meu pai marejados e poder dizer que nesse momento, nesse momento eu seria forte e o abraçaria como um dia ele fez comigo, e diria que tudo iria ficar bem.
Mas não demora pai, eu to voltando.
Ai, pelo menos minha mãe tem só mais um irmão pra enterrar... porque acho que não vou estar lá pra abraçá-la quando aqueles olhos azuis transbordarem em lágrimas! Fique com Deus!
ReplyDeleteE vc não falhou nada! Não dá pra ficar de prontidão esperando os acontecimentos chegarem pra agirmos da forma que idealizamos! Um dia, estou certa, você vai ouvir de seu velho pai o quanto aqueles olhos verdes se orgulham de olhar para o homem experiente parado bem ali na frente dele! E então, te mandar pro barbeiro pra voltar a ter cabelo de homem!! haha
ReplyDeleteQUE TODOS SEJAM SEMPRE FELIZES
ReplyDeleteQUERO TUDO DE BOM ´PRAS PESSOAS!
Li poucos textos de "escritores armadores" tão bem quanto o seu! O leitor sente, cada fibra do sentimento no qual vc quis transmitir... Parabéns!
ReplyDeleteque comovente
ReplyDeleteMeu irmão ,isso ficou entalado por varios e varios anos,até que num ato de curiosidade encontrei este texto ,me desculpe das diversas vezes em que te julguei por tal ato ,tomei um tapa na cara com todos os detalhes em que vc narrou este dia tão triste em nossas vidas ,lendo tudo me senti denovo naquela sala com nosso avô Porfirio ali sem mais suas implicações e não mais falando "Barbaridade"...Volta logo meu irmão ,estou com medo de perder sem ao menos ter conquistado sua amizade ... do seu irmão problema Di sempre 13
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