Friday, 30 July 2010

Eu estou no Brasil

Chego cedo no balcão de check-in da TAM, apesar de alguns anos atrás sentir certo conforto por ser atendido em minha língua nativa, dessa vez não faz tanta diferença, apenas me soa confortável a boa postura portuguesa mas ainda me intriga o uso do gerúndio por atendentes de qualquer instituição.

Com o "jeitinho brasileiro" a moça diz ter conseguido modificar minha poltrona pra um lugar com menos barulho, estava posicionado ao lado da turbina e convenhamos, mais de oito horas de vôo com aquele zumbido não seria fácil, mas o preço da passagem me faria agüentar calado.

Já em pleno ar, ocorre que um casal aparentemente gringo tem seu bebe aos berros, pobre criança que mal sabia onde estava, mas que fez todos ao redor lembrarem com angústia onde cada um de nós estava e estaria sujeito à aturar. Mais uma vez, pelo valor do ticket, eu teria até que cantar nana-neném sorrindo.

Nem todos tem esse pensamento, quando sorrindo ironicamente e falando em forte sotaque brasileiro a vizinha de poltrona diz: "- Puta que o pariu esses gringos hein, bota um remédinho nesse leite que a péste dorme até amanhã!"

A delicadeza brasileira chama atenção de alguns, poucos erguem as sombrancelhas em espanto, alguns até balançam a cabeça afirmativamente, mas o susto veio quando a mãe "gringa" pula nos cabelos da vizinha, falando palavrões em alto e bom português, deixando as comissárias de bordo em posição complicada, pessoas tentavam apartar a briga, foram para o chão (o cinto de segurança não estava conectado naquele momento), o negócio foi digno de vale tudo da televisão.

Após longos minutos de briga alguém conseguiu separar as duas e com o aviso do capitão caso a baderna não parasse, voltaríamos de onde partimos, instalou-se a paz, mas não sem antes colocarem a mulher em um assento bem longe da família supostamente "gringa", ao que acabou sendo aquele lugar do lado da turbina.

O episódio me fez lembrar meu vôo de volta da Alemanha em 2001, quando eu e alguns colegas do trabalho voltávamos de um projeto e conseguimos apenas assentos separados.  Quando vi o sujeito que seria meu vizinho por longas doze horas de viagem, o típico Albert Eistein, fiquei apavorado, logo fiz alguns comentários perjorativos em pleno português ao meu colega que estava algumas fileiras atrás: "-Tomara que esse alemão seja uma excessão e tenha tomado banho!" não contente, continuei: "-Se a gente fuçar essa barba, aposto que até coelho sai!" e por aí foram alguns bons minutos de piadinhas..

Passaram se horas e o tal Eistein havia terminado a leitura do seu Deutsche Welle, vem a comissária de bordo com o jantar, peço minha gororoba em inglês rasgado e o tio "Albert" em pleno alemão. Terminada minha ceia, deixo um pãozinho de lado, ao que vem a chance do cientista maluco perguntar: "- Você já terminou? Posso ficar com seu pãozinho? Se importaria?"
O cara era professor universitário, brasileiro filho de alemães, palestrando em um simpósio na Alemanha. Minha resposta foi um sim com a cabeça. Fiquei ainda por algumas oito horas sem olhar para o lado, de vergonha e por tamanha falta de tato.

Acredito então ser comum em nós brasileiros essa peculiaridade de debochar estrangeiros em nossa língua, o que nos trás ocasiões extremamente delicadas e não tão saudáveis. 

Mas voltando ao vôo atual, eu já me sentia no Brasil em meio aquele barraco. Aproximando se do destino, após a mensagem do capitão sobre temperatura e hora local, os brasileiros natos se revelam e começa um coro lá do fundo: "-EEEEU SOU BRASILEIROOO, COM MUITO ORGULHOOO, COM MUITO AMOOOOR!!!", impossível não entrar na festa, para muitos é a alforria de anos longe da família, de trabalho suado juntando o dinheirinho, é a hora de matar a saudade do feijão com arroz, mas muitos de nós estão mesmo é voltando das férias, do trabalho no exterior pago pela empresa, mas não impede de sentir o patriotismo arrepiar na pele e cantar juntos.

Pouco antes da aterrissagem, um parceiro que conheci na fila do banheiro, filho de Goiás, me interpela e bota seu cartão em meu bolso, lembro da conversa que tive na fila, ele me oferecera ótimas oportunidades lá "no Goiás", bons alqueires por poucos mil reais, disse ele já ter hectares de tantos anos enviando suas economias para o cunhado investir e que Goiás seria o estado emergente nos próximos anos.

Deixo o avião e lá vem mais fila, checagem do passaporte na alfândega. A policial federal encarregada de checar minha brasileidade me olha de cima a baixo, faz cara de quem comeu e não gostou, faz perguntas óbvias e eu não muito pra amigos, pergunto se o problema é a barba? Explico rapidamente que o frio na Europa é extremo naquela época, mesmo sendo 40 graus no Brasil, e ela continua martelando seu computador em busca de meus dados. Sempre imaginei que ao passar na alfândega de nosso país, seria o mais tranquilo dos processos, uma vez que somos naturais dali, o que diverge das muitas vezes que passei por aeroportos ao redor do mundo, mas logo me dou por vencido e aceito que mesmo aqui na minha terra, serei revirado do avesso para poder ter feijão com arroz.

Pelo breve reflexo dos óculos da agente federal, pude ver que ela jogava paciência em seu computador. Nãããão!! Só no Brasil pra isso ser verídico!! Mas fico calado e tenho de me controlar, ela então olha pela enésima vez para meu passaporte e para minha cara e diz: "- É, só a barba mesmo, o resto condiz com sua pessoa." "Obrigado." - penso eu.

Sigo para o hall de retirada das bagagens, nem preciso dizer que não estavam lá, que parte foi extraviada, parte foi danificada, que escuto o segurança no saguão gritando com alguém tentando sair com mala de outro (que deus me perdoe, mas parecia o parceiro Goiâno), e após horas de caos, me vejo em território brasileiro, placas em português, humidade de quase 100% no ar, aquele bafo quente no rosto vindo do asfalto e taxistas enfurecidos e insandecidos me puxando pelo braço.

Ouço uma voz conhecida aos berros em um orelhão próximo, o parceiro Goiâno perguntava à alguém como que podia seu cunhado não ter enviado um táxi depois de tanto dinheiro que lhe havia dado, achando inacreditável tal tratamento com quem ficou fora por longos dez anos. Repetindo o que a voz do outro lado da linha falava, à plenos pulmões tentava entender o que aquilo significava, que seu cunhado já não era mais cunhado à uns bons oito anos. Caiu estatelado no chão. Coisas do Brasil, pensei comigo.

Mais Brasil que o taxista parando no caminho para perguntar qual o caminho para a estação do metrô impossível.
Mais Brasil ainda foi o moleque no semáforo fazendo acrobacia, vem mancando até o carro e num discurso bem rápido e impecável dizia que poderia estar roubando, matando, mas que estava ali pedindo uma ajuda honestamente, que não fumava e que preferia comida do que dinheiro, sua mal formação física o impedia de trabalhar e ir a escola que era longe. Jogo lhe uns trocados pelo sorriso espontâneo e desdentado, e ele sai correndo dando pulos de alegria, engraçado mesmo era ele não mancar. Ao longe grita: "- Ei tio, tem um cigarro aí?"
Tremendamente Brasil são os caras na beira da estrada já no meu caminho para casa, sentados em pedras propositalmente bem posicionadas com placas dizendo "CHAPA", penso como seria explicar tal profissão e sua natureza à um gringo.

Chego em casa e é domingo, mulherada na cozinha preparando o macarrão, o assado e suas saladas, os homens na sala vendo o programa de esporte, todos exatamente como eu havia os deixado alguns anos atrás, e isso me trás um conforto e uma felicidade cômoda. A criançada vem correndo lá do quintal com suas espadas feitas de fiapo de tábua de construção, capacetes de papelão e o cachorro vem junto tropeçando por entre as pernas dos pequenos. Gritam pelo tio, pedem para ajudar arrumar o cabelo das bonecas, pedem pra jogar bola na rua, e acabamos no tapete brincando de fazer montinho. Então eu sinto do fundo do coração que agora sim, eu estou no Brasil.

Mas até lá, fica o sonhar acordado. 

Brasil, ó meu Brasil, tenha se um ou mais reunidos em teu nome, brasileiros ali estarão! 



     

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