Thursday, 25 November 2010

Goodbye Indochina !!

Alguns meses se passaram e nesses últimos dias já me sentia um local, um estrangeiro local, por melhor dizer. Explico, por mais enraizado que estejamos na cultura desses países asiáticos, se não possuímos as características físicas e modos orientais , seremos para sempre "farang", estrangeiros.

Fui acostumado a pequenas doses nesse mundo velho, criei um formato geral das pessoas e seus hábitos, por mais parecidos que sejam entre as fronteiras de países pequenos, se notarmos com cuidado veremos quão diferente são as populações, mesmo entre Norte-Sul de um mesmo país vemos diferenças substanciais e interessantes.

Ser chamado de "farang man" pelas ruas da Thailandia me fazia dar risada, não pela palavra em si, mas pela malícia em que as mulheres locais se referem aos homens estrangeiros, aqueles que podem salva-las de um futuro pobre, simples e talvez leva-las para um mundo de riquezas e luxurias pela América ou Europa. Minha risada era honesta, não perniciosa ou julgadora, mas pela sensação de ser aliciado pelas ruas tanto por profissionais do sexo como por mulheres simples locais sempre deixou uma impressão calorosa, o contato humano que não se têm em outros lugares do mundo.

Sobre a culinária, ahh a culinária !! O despertar do paladar pelos mercados e ruas sujas foi algo do outro mundo, mesmo com a imundice ao redor, para olhos bem treinados não foi difícil achar o que era higiênico e saudável. A riqueza da mistura entre culinária oriental misturada com a ocidental devido as colônias do passado fazem você ter sonhos a noite, tachos imensos de sopa com ervas e pimentas me deixaram com água na boca, os molhos e condimentos que só se encontram nessa parte do mundo ficarão guardados no meu paladar para sempre.

Mas não são só flores, a rapidez em que os paraísos escondidos tem decaído através do turismo desenfreado me deixaram com um aperto no peito. As manchas de óleo deixadas pelos barcos que levam e trazem turistas de hora em hora tem danificado o azul turquesa e o verde pérola das águas desse mundo velho, as garrafas plásticas e outros objetos deixados para trás vem causando grande impacto negativo nas praias que eram idílicas até poucos anos atrás. E todos nós somos parte disso. Por mais consciente que eu e você sejamos, por mais que tenhamos cuidado com nosso lixo quando viajamos, ainda assim precisamos nos locomover, precisamos pisar naquele paraíso e ver com os próprios olhos e nesse ato deixamos mais que pegadas, fica também o toque da civilização, o que era antes nativo e perpétuo agora é caminho, trilha e facilidades como banheiro e bar à beira da praia.

Tem também as tragédias, tamanha beleza não vem de graça, muitos lugares daqui são magníficos por serem produto de vulcões ativos no meio do oceano, movimento de placas tectônicas   , tsunamis, tufões, vendavais, terremotos entre outros fenômenos naturais que modificam a paisagem através dos séculos. Nesse acaso vem o castigo da população que sofre à cada ocorrência, e se já não bastasse os fenômenos naturais tem também o histórico de guerras, instabilidade econômica e religiosa, a diversidade desses povos tem gerado tensão desde o início dos tempos e as fotos não são nem um pouco bonitas.

A maneira como parte da população mercante da região que chamamos de Indochina tenta tirar proveito do viajante ocidental também é algo à se notar. A idéia de que os ocidentais possuem mais riqueza e por esse motivo sóbrio somos obrigados a gastar o dobro do que é justo é degradante para a imagem de um povo batalhador, mas persiste e não acabará tão cedo. Mesmo sendo isso normal e esperado em países sub-desenvolvidos e de terceiro mundo, sempre acreditei serem os asiáticos mais cientes e razoáveis, mas da mesma forma que turistas tem se aproveitado dos prazeres e deixado sua marca, voltam para casa com uma sensação de terem sido enganados por diversas vezes.

Pensamento filosófico: Os ocidentais não enfrentam fila, se juntam todos e forçam sua vez em empurrões meio educados, isso vem da valorização do grupo ao invés do indivíduo. Aqui se tem o ditado de que o prego que se destaca será o primeiro à ser martelado, sendo assim todos procuram ser o mais parecido com o próximo possível, usam as mesmas roupas, fazem as mesmas coisas e procuram todos terem o mesmo nível intelectual, uma sociedade normalizada. Particularmente acredito que me lembra muito o comunismo, ditando regras silenciosas de comportamento, restringindo indivíduos de mostrarem seus talentos e se destacarem na multidão, diminuindo o passo do desenvolvimento social e perspectiva de idéias inovadoras.

Julgamentos à parte, minha experiência foi a mesma dos pioneiros de séculos passados, chegando na Ásia e sendo facilmente reconhecido como "farang man", tendo a barreira da comunicação mas o poder da mímica e expressão facial, a delícia da simplicidade ao andar descalço e comer com as mãos sentado no chão entre famílias locais, ser tratado como figura famosa pelas ruas onde "farang man" é mais alto e branco que todos os outros ao redor, tendo fotos tiradas e crianças puxando pelo braço ou tocando nossos rostos em curiosidade.

Isso tudo me trouxe paz, algo no espírito que vai me fazer refletir pro resto da minha vida, algo valioso que tem de ser degustado na hora certa, num período de transição e de crescimento pessoal, quando precisamos de tempo para pensar e decidir o que queremos realmente para nossas vidas no futuro, um ponto de balanço para medirmos o quanto de calma e stress podemos suportar e o quão valioso é o investimento de tempo livre e ocioso em determinada época de nossa vivência nessa terra de encantos e mistérios.

Adeus Indochina, vou me embora dessa terra com doce saudade, histórias para contar além mar e uma vontade de ficar que só é vencida pela saudade de minha terra natal.

Thursday, 11 November 2010

Privação do ser

A estrada para o sucesso às vezes percorre misteriosos caminhos. Hoje a tarde fui chamado de "Brasileiro misterioso" por pessoas que conheci em minhas viagens e não misteriosamente digo com convicção que atingi o sucesso de minhas metas de médio prazo sem muito mistério. Complicado conectar tudo isso que acabei de escrever ? Imagina viver tudo isso então.

O sucesso nem sempre é aquilo que se explica no dicionário e o que as pessoas possuem em mente, a palavra sucesso pode ser reinventada e colocada de uma forma menos política ou corporativa, a palavra sucesso pode ser taxada como algo que preenche a alma, aquele gosto de água doce na boca de quem foi náufrago em águas salgadas por meses, quem sabe até anos.

Foram alguns anos de minha vida que dediquei à privação de certas coisas para chegar à determinado lugar, aprendi isso com tantas pessoas que difícil é citar tais exemplos, o mais próximo é meu pai, que por um bom tempo trabalhando fora para nos sustentar tinha de ir dormir mais cedo para esquecer a fome e economizar o dinheiro do jantar. 

Comecei a trabalhar bem cedo, por opção e não necessidade, não havia necessidade pois meus pais trabalhavam para nos dar sustento e educação, bem rigorosa mas que deu base para os anos que vieram, e desde cedo aprendi o valor do dinheiro e também aprendi o valor que o dinheiro não tem, se é que você me entende. O valor que as coisas materiais perdem depois de sua empolgação, depois do sentimento de que você conquistou e está ali a seu dispor, seja na garagem, na sala de estar ou na cozinha.

Bem cedo aprendi também que mesmo tendo tudo, às vezes não temos nada, um carro sem seguro pode sumir entre seus dedos se acidentado ou roubado, mas sua vida ainda estará lá independente de dinheiro ou seguro. Não sou hippie apesar de respeitar a opinião de quem é, não prego que a vida só é válida se minimalista, o dinheiro é importante, o capitalismo faz o mundo girar, pelo menos no lugar em que nascemos e somos acostumados, dependemos da troca do papel e da moeda pelo nosso sustento por que já não temos como caçar e pescar, necessitamos de dinheiro por que no futuro o médico vai ser caro, já nos esquecemos dos curandeiros e seus chás e dependemos quase sempre de enlatados, então não confunda as coisas, não semeie sonhos criativos de vida perfeita em comunidade numa vila de pescadores, uma dor de dente vai fazer você voltar à civilização num piscar de olhos.

E nunca, nunca julgue aquele que trabalha e estuda sem parar com extremismo, pois aquele tem suas razões ramificadas em seu ser, queimadas a ferro e fogo em sua pele pela visão crua do mundo ao seu redor, pois ele já está cansado de ver a vida de seu próximo ser tomada pela necessidade e desamparo que a vida moderna trás consigo. 

Nesses dias que venho passando tento justificar à mim mesmo o motivo pelo qual tenho sido tão agraciado com uma vida que todo ser humano gostaria de ter, viajar pelo mundo, experimentar novas culturas, conhecer novas pessoas, ter novas paixões e amores, acordar naturalmente com a luz do sol pela janela de uma cabana à beira-mar, não ter hora nem compromisso, ler e escrever quando me dá vontade, resumindo, tento achar justificativa por ser feliz agora.

Mas e quando eu estava lá no exército das 6 às 8 da manhã, indo direto pro trabalho que teria de ter começado às 8 e que compensava o atraso na hora do almoço, para então sair às 6 da tarde e chegar no colégio à tempo da primeira aula, rezando conseguir uma carona no final das aulas para chegar em casa às 11 da noite, caso contrário seria quase uma hora à pé ? Tendo de engolir a comida para sobrar tempo de ver um pouco de TV, engraxar o coturno e me barbear para às 4:30 da manhã pegar o ônibus para o quartel ? Por que naquela época eu não procurava justificativa para os sofrimentos ? Quando minha mãe me acordava de madrugada no sofá adormecido com o coturno em meu colo, por que eu não me justificava ou pedia desculpa pelo meu sofrimento ?  E quanto à úlcera que tive nesse meio tempo com apenas 19 anos de idade ? 

Por que então depois do exército resolvi ir trabalhar em outra cidade, e continuar por alguns anos aquele martírio de acordar ainda mais cedo, indo dormir ainda mais tarde porque escolhi uma profissão diferente da que exercia e dependia de mais estudo ?

Também não tentei me justificar quando decidi voltar e fazer faculdade, sem emprego mas com determinação e ter de economizar cada centavo para pagar a mensalidade, depois de formado quando era hora de ter paciência e então começar a criar raízes mais uma vez me coloquei numa posição nem um pouco confortável.

Foi em Londres uma das experiências mais pesadas em minha vida, mais uma vez por vontade própria, me deprivei de meu ser, de quem eu era, para me tornar o que sou hoje, alguém que queria aprender mais, alcançar ainda mais e chegar onde poucos chegaram. O preço foi alto, anos de reclusão longe da família e amigos, economia exagerada, frio, depressão, falta de calor humano e carinho verdadeiro, carga horária de trabalho exagerada e irresponsável, horas de estudos insuportáveis e a perda de meu humor característico.

Mas tudo valeu à pena. Nesses longos anos também existiram tempos de paz e felicidade que ficaram mais fortes na memória apesar de mais escassos, devido à toda essa privação os resultados foram gratificantes, recompensantes e que hoje tem me proporcionado muito mais do que eu desejava no começo, hoje possuo coisas que nenhum governo pode me tirar, que a falta de dinheiro tampouco irá me preocupar e que derrubou toda e qualquer fronteira desse mundo.

Acredito que estou empatado agora, depois do vendaval veio a bonança, depois do inferno o paraíso, agora é tratar de planejar os próximos passos pros próximos 10 anos, e dessa vez, o que vier será mais fácil e se não for, não será novidade e se for novidade, que não só eu mas você também tenha saúde para enfrentar de cabeça erguida lembrando que no fim do arco-íris existe um pote de ouro.

Nessa tarde me chamaram de "Brasileiro misterioso" quando contei grande parte dessa história para uma roda de amigos, todos irlandeses e que diziam não acreditar eu ser Brasileiro pelo meu sotaque irlandês, depois de um mês viajando entre eles absorvi a conversação e suas particularidades assim como eu fazia no passado quando passava minhas férias no sítio e mudava constantemente meu palavreado entre o caipira e o menino da cidade, esse foi um dos resultados de minha longa jornada, mas deixei bem claro ser Brasileiro sim, com muito orgulho, com muito amor e que não desiste nunca, mesmo que tenha de me privar de vez em quando.

Tuesday, 2 November 2010

Bangkok - Khao San Road

A primeira vez em que botei minha atenção em Bangkok foi quando assisti o filme "A Praia", o personagem principal - Richard, narrava sua chegada a cidade depois de uma longa viagem vindo dos EUA, surpresa a minha foi quando li o livro que deu origem a história contando ser ele na realidade britânico, talvez por Leonardo Di Caprio não ter a facilidade em fazer o sotaque o roteirista deva ter achado melhor mudar o ponto geográfico do personagem.

Ele começa a narrativa falando sobre Khao San Road, a rua dos mochileiros: suja, milhões de "westerners", locais vendendo todo tipo de coisa, motoristas de tuk-tuk puxando pelo braço, barulho, música pop thailandesa vindo de todo lado, barracas de comida vendendo Pad-Thai por menos de 1 dólar, muito álcool, casas de massagem e insaciáveis olhares em busca de sexo e diversão.

Minha primeira impressão ao chegar aqui foi exatamente a mesma.
O grupo de mochileiros que eu viajava se dissipou e acabei chegando em Bangkok com duas inglesas do grupo, elas já haviam passado por aqui no inicio da viagem e sabiam alguns lugares decentes pra ficar, conseguimos um quarto triplo por 8 dólares cada, sem sinal de ratos ou baratas, comecei bem minha experiência thailandesa.

Mas durou pouco, elas - minhas amigas inglesas - estavam a caminho das ilhas ao Sul da Thailandia, ficariam apenas uma noite e depois eu teria de me virar pra achar um lugar só pra mim. Nessa primeira noite achamos um casal de irlandeses que viajaram conosco pelo Vietnã e Camboja, eles vieram mais cedo pois tinham de encontrar outros 14 irlandeses amigos que planejaram viajar juntos pela Ásia e então juntei me à eles. Não sei onde eu estava com a cabeça...
A fama irlandesa de serem beberrões não é a toa, ainda mais quando eles acham um pub irlandês fora de casa, e Khao San Road possui o "Mulligans", tradicionalíssimo e ponto de encontro dos caras. 

Sempre tive amizade com irlandeses, são fanfarrões e muito parecidos com brasileiros em seu humor e forma de se divertir, não demorou e eu já tinha acostumado meu ouvido ao sotaque forte de Galway (região sudeste da Irlanda de onde esse grupo veio) e até mesmo consegui adaptar meu sotaque ao deles pra facilitar a  conversação, depois de alguns baldes de whisky/rum e coca-cola a gente fala até Alemão fluente meu amigo...      

A noite passou rápido demais e quando percebi estávamos todos cantando e dançando com dezenas de locais ao redor de uma banda de rua, as músicas eram incompreensíveis em Thai, mas o som era agradável e ritmado, deviam estar tocando os top-hits pois os locais cantavam apaixonadamente.

O sol já estava ardendo quando resolvi voltar pro meu hotel, meus amigos irlandeses -  Demian, Rachael, Thomas, Michael, Michella, Michelle, Ayline, Gemma, Dan, Chris, Callum, Jason, Evy e Jackie rumaram para o deles onde estavam juntos, e quando chego ao meu quarto a porta trancada, as inglesas tinham voltado mais cedo e já estavam dormindo à séculos. Não muito alegres abriram a porta, dormi por umas duas horas e então fizemos o check-out no hotel, elas estavam de partida pras ilhas e eu numa nova jornada para achar um hotel bom, bonito e barato, tarefa quase impossível.

De ressaca e com uma alergia do sol que nem vampiro tem, saí em busca de uma nova casa, não poderia ficar com os irlandeses pois hotel com piscina no terraço aqui custa em média 30-40 Euros por noite, eu estava disposto a pagar 5-10 dólares. Andei por todo lado como um zumbi e a cada hotel que entrava lembrava do filme "A Praia", lugares que pareciam depósitos de lixo, camas afundadas e cheirando mofo, paredes feitas de compensado de madeira ( se ouve tudo o que acontece do outro lado ), e a maioria dos quartos sem janela com ventiladores quebrados.

Um dos primeiros hotéis que passei custava apenas 4 dólares por noite, achei ser um dos regulares, pois ao redor da Ásia é um valor comum, mas não no caso de Bangkok, engano meu, tinha de dividir o quarto com hóspedes indesejados, ao abrir a porta um batalhão de baratas correu pra dentro do colchão e uma tropa de ratos saiu pela janela (sim, esse quarto tinha janela!), minha expectativa de encontrar um lugar bom e barato começava a ir por água abaixo.

Depois de horas nessa jornada, consegui algo razoável, 12 dólares com banheiro comunitário, nunca fui tão feliz na minha vida, mas terei de economizar em outros aspectos, o mochileiro precisa manter seu orçamento ao redor de 10 dólares por dia, caso contrário vai a falência. Apesar de ser um bom lugar, continuo ouvindo tudo o que acontece no quarto do lado, não acho tomada pra recarregar meu IPod, resta botar o protetor auricular e ler um pouco pra conseguir dormir, em menos de 5 minutos eu entrava em coma por diversas horas.

Acordei já eram 7 horas da noite, uma fome que mordia meu estômago por dentro, saí em busca dos irlandeses e não foi difícil acha-los no "Mulligans", todos haviam passado o dia dormindo ao redor da piscina e tinham queimaduras nem um pouco confortáveis, brancos como todos irlandeses, pareciam muito como tomates levados ao forno, mais motivo para beber e dar risada.

Compramos comida e bebidas no supermercado e voltamos pro hotel deles, não foi difícil passar despercebido no meio de 14 irlandeses pela recepção, vi que as recepcionistas já não estavam agüentando mais tanto barulho e desistiram de pedir pra se comportarem, logo estávamos na piscina do hotel 4 estrelas com uma vista maravilhosa de Bangkok e a insanidade da Khoa San Road 15 andares abaixo, mais uma vez agradeci aos céus por ser tão abençoado em minhas viagens e fechei minha segunda noite em Bangkok sem dormir e com um shot de sangue de cobra. Ainda fico vários dias por aqui, e então rumo para "A Praia", ou melhor, para "As Praias", mas prometi a mim mesmo não ser tão irlandês nos próximos dias...