Alguns meses se passaram e nesses últimos dias já me sentia um local, um estrangeiro local, por melhor dizer. Explico, por mais enraizado que estejamos na cultura desses países asiáticos, se não possuímos as características físicas e modos orientais , seremos para sempre "farang", estrangeiros.
Fui acostumado a pequenas doses nesse mundo velho, criei um formato geral das pessoas e seus hábitos, por mais parecidos que sejam entre as fronteiras de países pequenos, se notarmos com cuidado veremos quão diferente são as populações, mesmo entre Norte-Sul de um mesmo país vemos diferenças substanciais e interessantes.
Ser chamado de "farang man" pelas ruas da Thailandia me fazia dar risada, não pela palavra em si, mas pela malícia em que as mulheres locais se referem aos homens estrangeiros, aqueles que podem salva-las de um futuro pobre, simples e talvez leva-las para um mundo de riquezas e luxurias pela América ou Europa. Minha risada era honesta, não perniciosa ou julgadora, mas pela sensação de ser aliciado pelas ruas tanto por profissionais do sexo como por mulheres simples locais sempre deixou uma impressão calorosa, o contato humano que não se têm em outros lugares do mundo.
Sobre a culinária, ahh a culinária !! O despertar do paladar pelos mercados e ruas sujas foi algo do outro mundo, mesmo com a imundice ao redor, para olhos bem treinados não foi difícil achar o que era higiênico e saudável. A riqueza da mistura entre culinária oriental misturada com a ocidental devido as colônias do passado fazem você ter sonhos a noite, tachos imensos de sopa com ervas e pimentas me deixaram com água na boca, os molhos e condimentos que só se encontram nessa parte do mundo ficarão guardados no meu paladar para sempre.
Mas não são só flores, a rapidez em que os paraísos escondidos tem decaído através do turismo desenfreado me deixaram com um aperto no peito. As manchas de óleo deixadas pelos barcos que levam e trazem turistas de hora em hora tem danificado o azul turquesa e o verde pérola das águas desse mundo velho, as garrafas plásticas e outros objetos deixados para trás vem causando grande impacto negativo nas praias que eram idílicas até poucos anos atrás. E todos nós somos parte disso. Por mais consciente que eu e você sejamos, por mais que tenhamos cuidado com nosso lixo quando viajamos, ainda assim precisamos nos locomover, precisamos pisar naquele paraíso e ver com os próprios olhos e nesse ato deixamos mais que pegadas, fica também o toque da civilização, o que era antes nativo e perpétuo agora é caminho, trilha e facilidades como banheiro e bar à beira da praia.
Tem também as tragédias, tamanha beleza não vem de graça, muitos lugares daqui são magníficos por serem produto de vulcões ativos no meio do oceano, movimento de placas tectônicas , tsunamis, tufões, vendavais, terremotos entre outros fenômenos naturais que modificam a paisagem através dos séculos. Nesse acaso vem o castigo da população que sofre à cada ocorrência, e se já não bastasse os fenômenos naturais tem também o histórico de guerras, instabilidade econômica e religiosa, a diversidade desses povos tem gerado tensão desde o início dos tempos e as fotos não são nem um pouco bonitas.
A maneira como parte da população mercante da região que chamamos de Indochina tenta tirar proveito do viajante ocidental também é algo à se notar. A idéia de que os ocidentais possuem mais riqueza e por esse motivo sóbrio somos obrigados a gastar o dobro do que é justo é degradante para a imagem de um povo batalhador, mas persiste e não acabará tão cedo. Mesmo sendo isso normal e esperado em países sub-desenvolvidos e de terceiro mundo, sempre acreditei serem os asiáticos mais cientes e razoáveis, mas da mesma forma que turistas tem se aproveitado dos prazeres e deixado sua marca, voltam para casa com uma sensação de terem sido enganados por diversas vezes.
Pensamento filosófico: Os ocidentais não enfrentam fila, se juntam todos e forçam sua vez em empurrões meio educados, isso vem da valorização do grupo ao invés do indivíduo. Aqui se tem o ditado de que o prego que se destaca será o primeiro à ser martelado, sendo assim todos procuram ser o mais parecido com o próximo possível, usam as mesmas roupas, fazem as mesmas coisas e procuram todos terem o mesmo nível intelectual, uma sociedade normalizada. Particularmente acredito que me lembra muito o comunismo, ditando regras silenciosas de comportamento, restringindo indivíduos de mostrarem seus talentos e se destacarem na multidão, diminuindo o passo do desenvolvimento social e perspectiva de idéias inovadoras.
Julgamentos à parte, minha experiência foi a mesma dos pioneiros de séculos passados, chegando na Ásia e sendo facilmente reconhecido como "farang man", tendo a barreira da comunicação mas o poder da mímica e expressão facial, a delícia da simplicidade ao andar descalço e comer com as mãos sentado no chão entre famílias locais, ser tratado como figura famosa pelas ruas onde "farang man" é mais alto e branco que todos os outros ao redor, tendo fotos tiradas e crianças puxando pelo braço ou tocando nossos rostos em curiosidade.
Isso tudo me trouxe paz, algo no espírito que vai me fazer refletir pro resto da minha vida, algo valioso que tem de ser degustado na hora certa, num período de transição e de crescimento pessoal, quando precisamos de tempo para pensar e decidir o que queremos realmente para nossas vidas no futuro, um ponto de balanço para medirmos o quanto de calma e stress podemos suportar e o quão valioso é o investimento de tempo livre e ocioso em determinada época de nossa vivência nessa terra de encantos e mistérios.
Adeus Indochina, vou me embora dessa terra com doce saudade, histórias para contar além mar e uma vontade de ficar que só é vencida pela saudade de minha terra natal.