Thursday, 28 May 2015

O dia em que nos tornamos tédio.

Por volta de 2011, o jornalista Peter Robinson observou a chegada de uma nova era de músicas entediantes, culpando músicas como Someone Like You de Adele e todas criações de Ed Sheeran como "vórtice de tédio".
 
 Nos quatro anos seguintes, esse Novo Tédio Music perdeu seu auge mas continuou a espalhar seus tentáculos de tédio ao longo da vida moderna britânica, com os jovens deixando de encher a cara, abstendo-se das drogas e começando a jogar cartas. E não era nem mesmo o pôquer, com sua aparência grisalha e esfumaçante imagem de fora da lei, mas "Bridge" (um jogo de cartas britânico tão empolgante quanto nosso "rouba-montes") que até nossos avós podem considerar um pouco antiquado.


A União Britânica de Bridge (associação dos jogadores desse jogo) relatou que triplicou o número de jovens membros ao longo dos últimos três anos.

Dada esta triplicação, o número de associados foi de 106 para 344 membros, sugerindo que a vida noturna Britânica está a salvo de qualquer invasão iminente de jovens com cartas na mão por enquanto (dado o número inexpressivo de 344 pessoas..).

No entanto, não é necessária muita imaginação para imaginar clubes de Bridge aparecendo em algumas regiões, com indivíduos usando viseiras engraçadas e portando tigelas de twiglets (salgadinho antigo, conhecido no Brasil como Stiksy), regado com gin e limão amargo.


Houve um abraço incessante do tradicionalismo adocicado como uma opção de vida ao longo da última década.

Está lá no boom do artesanato, como tricô e crochê, em homens de vinte e poucos anos com bigodes, em cervejas caseiras e hortas cultivadas em apartamentos, nessa foto viral do homem sentado no Starbucks datilografando em sua máquina de escrever, parecendo uma ameixa.

Noah Baumbach mostrou tudo isso em seu mais recente filme "While we are Young" (Enquanto somos Jovens), sobre um casal interpretado por Adam Driver e Amanda Seyfried, preferindo VHS ao invés de DVD, fitas cassetes e disco de vinil ao invés de downloads; eles se recusam a buscar no Google um fato com seu iPhone, melancolicamente optando por simplesmente não saber a resposta a alguma pergunta.


Quando esta pseudo-autenticidade é adotada como uma identidade, ela está madura para a zombaria, e Baumbach faz isso com precisão. É fácil zombar da vida transformada em um pôster de "Keep Calm and Carry On" servida com pão de ló.

Esta batalha vai nos definir. Temos de proteger as nossas crianças da austeridade.

Mesmo que me doa tanto tentar montar uma defesa, esta entrega ao entediante é largamente compreensível, e talvez até inevitável.

Há um conforto na vida caseira, não importa o quão artificial esta iteração possa ser.

Quando todo mundo está falido e o futuro parece cada vez mais sombrio para quem tem menos de 30 anos, nos agarramos na segurança e tudo que nos parece familiar, que remonta um passado que parece menos nebuloso.

Além disso, como é que uma geração  se rebela contra os pais que fumam maconha, usam Converse e ouvem Arcade Fire?

Isto é, penso eu, não é o mesmo que usar um gramofone para ouvir High Flying Birds do Noel Gallagher, enquanto degusta-se uma cerveja artesanal.

Adotando um estilo de vida entediante  é como tentar abrandar o ritmo de uma ofensiva cultural aparentemente incessante e tentar dar uma respirada.

Se você estiver entre os 20-30 e poucos anos, talvez você tenha notado seus amigos declarando-se "corredores", ou aderindo a clubes e academias, e dizendo ”não” ao convite de uma tarde no barzinho porque estão em treinamento para seu segundo triathlon.
Talvez eles estejam fazendo aulas de cerâmica ou aderindo a um coro na comunidade.
Talvez eles estejam sendo a vanguarda no renascimento dos jogos de tabuleiro e baralho, criando o primeiro campeonato de “rouba-monte” do bairro.

Recentemente, tornei-me um chato.

Em minha última viagem de férias fui com um grupo de amigos para Ibiza; a maior parte do tempo me senti mal, me sentia velho e rabugento, e a única coisa que pensei nunca ter visto antes na vida era uma mulher nua em um trapézio com uma tocha de laser enfiada na bunda mirando a multidão. Era hora de repensar.

Quando todo mundo está falido e o futuro parece cada vez mais sombrio, nos agarramos na segurança e tudo que é familiar, que remonta um passado que parece menos nebuloso.

Então, desta vez nas férias, eu fiquei na casa de um amigo em uma pequena vila no interior. Eu cozinhei, ouvi música e muita leitura.

Saí para longos passeios vestido em roupas de cidade que não eram apropriadas para o campo,  olhando para o carregamento lento do mapa no meu iPhone (não há muito sinal no interior),
e imagine só que que eu descobri ser muito mais fácil checar as placas de sinalização e conversar com os aposentados (vestidos em roupas apropriadas para o campo) do que ficar balançando meu celular no ar, buscando por um sinal.

Aproveitei para fazer uma trilha chamada Monsal, um caminho antigo por onde passavam comboios de trens de carga, hoje uma trilha abandonada que foi transformada em uma rota idílica para os caminhantes e ciclistas, disse olá para cada pessoa que passou por mim. Também fui a um lugar chamado Chatsworth House, que lembra muito o cenário de “Orgulho e Preconceito”, em seguida sentei me nos jardins pensando apenas sobre como tudo fica sob o sol. Foi de longe o feriado mais chato que eu já tive.


Quando eu voltei de uma semana em Ibiza, eu estava uma pilha de cacos. Desta vez, eu senti como se eu tivesse vindo à tona para respirar. Eu estava entediado e feliz. E além disso, nada faz você se sentir mais jovem do que ser a pessoa mais jovem em um grupo onde todos tem 40 anos ou mais.

Livre tradução do texto de Rebecca Nicholson "I have become boring and happy".
http://www.theguardian.com/commentisfree/2015/may/26/i-have-become-boring-and-happy?CMP=fb_gu

Friday, 14 February 2014

Uma carta para mim mesmo alguns anos atrás

Cara...sabe aquele livro que você leu, sobre um tal mago caminhando lá pela Espanha, pois é, você seguiu a risca, caminhou tudo aquilo e cumpriu com uma promessa. Ahh essa promessa foi feita por uma aventura ainda maior, morar fora do país, aventura essa que vem junto com uma vontade sua lá do passado, de sair por aí, viajando pelo mundo, conhecendo gente, bicho, coisas e lugares.

Sim, você viajou o mundo. Mas ainda falta alguns continentes que conheceremos juntos, prometo! Essa sua ansiedade por viajar é saudável, acredite, e não diminui com o tempo, "no matter how much you travel bro!!" e sim, todo aquele papo de saber se virar que aprendeu no Escoteiro, foi super válido e concreto, aliás, o inglês no sábado de manhã vai ser lascado, mas será recompensado com altos papos com pessoas fantásticas de outros países e te livrará de muito perrengue.

Faça seguro do seu carro, se possível da moto também.. alguns pequenos acidentes do percurso vão pesar um pouco no bolso e limitarão suas viagens, poderíamos ja ter conhecido a Oceania e Africa com esse dinheiro :-(
Esqueça o carro importado, com o carro 1.0 que você vai tirar na concessionária será possível viajar muito mais e com menos!

Durante 5 anos você viajará de fretado para trabalhar, não vai ter ar-condicionado e a Marginal Pinheiros vai te fazer suar muito, mas apesar de tudo, sua vontade de morar num país frio vai aumentar e se tornará realidade, assim como uma quantidade sem tamanho de livros que você vai ler por conta disso, na somatória, só prós.

Os anos de faculdade serão cansativos, o curso legalzinho, mas "é o que tem pra hoje" (no meu caso, pra ontem..), vai te proporcionar bons frutos no futuro, esse diploma vai valer ouro para alguns momentos importantes, e o aprendizado? nada que você não aprenderia sozinho.. SIM, você com o tempo se tornará auto-didata, mas somente nas coisas em que te agradam.

Use aparelho nos dentes enquanto novo, um pouco mais velho vai ser um saco !!

Você verá um documentário sobre Machu Picchu, vai ficar com essa história na cabeça, vai levar 5 anos, mas você chegará lá!

Algumas baboseiras que você comprou pela internet não servirão de nada, invista em equipamentos de mergulho e esportes em geral, você vai ficar fera e viciado em alguns deles, descole uma máquina fotográfica maneira, não faltarão oportunidades de bons momentos!

Ao morar fora, por milhares de vezes terá vontade de desistir, vai tomar banho sentado por dores nas pernas e vai chorar de vez em quando, vai reclamar da chuva e do frio, vão te roubar 2 bicicletas e 2 motos, dias em que não terá dinheiro,  que ficará na chuva por 14 horas, almoçando debaixo de ponte pra fugir do aguaceiro, jantando comida fria pra não fazer barulho com o microondas e acordar os room-mates, mas ACREDITE, tudo valerá a pena.

Quando voltar para o Brasil, não fique triste ou desapontado achando que todos mudaram, você mudou também. E nem sempre mudamos para melhor, mas você evoluirá bastante.

Se acostume ao "recomeço", está encravado em tua alma mais que teu sobrenome. Irá recomeçar tudo do zero por uma meia dúzia de vezes, perderá tudo e reconquistará tudo novamente, e não estou falando só de coisas materiais.

Sua saúde continuará de ferro, claro que seu lifestyle contribui bastante para isso, e acredite, a gripe que vem a cada 5 anos, é real e passa em 3 dias, continue evitando os remédios, confie no seu poder regenerativo, e na próxima vez que precisar se costurar novamente, já deve existir vídeo no youtube de como fazer uma sutura sem deixar cicatrizes. em tempo, cicatrizes também são cool :D

Continue contando suas histórias, você irá inspirar pessoas a sair do lugar comum, mostrará que a vida vai muito além do bairro onde moramos, que a barreira do idioma não é tão grande assim e que planejamento financeiro não é um bicho de sete cabeças, você fará palestras em mesa de bar de como viajar mais com menos, quebrará o paradigma de que viajar sozinho é down.

Algumas aventuras colocarão sua vida em risco, mas se fosse algo impossível, eu não estaria por aqui hoje te escrevendo, uma geração inteira já havia percorrido todo esse caminho e foram chamados de "beatniks", um tal Jack Kerouac documentou muito bem a coisa toda, se puder, leia o quanto antes isso tudo, vai te deixar mais preparado e ainda mais inspirado pelo mundo.

Hoje em dia estão na moda os caras que "largaram tudo e foram dar a volta ao mundo", inclusive estão ganhando uns trocados e até vivendo disso, seja mais perspicaz em seus relatos e observações, talvez seja um nicho de mercado para o nosso futuro, apesar de muita gente ter ido aonde muitos outros não terem tido a coragem, ainda assim somos minoria, daqueles que transformaram o mundo em seu quintal e contam seus momentos pelos suspiros e falta de folêgo por aí.

Te vejo em alguns anos, com alguns fios de cabelo branco, mas com o espiríto tão ou mais jovem que o seu, everything is going to be fine.

Monday, 18 November 2013

Vintage

..ainda sonho com aquela kombi.

das ripongas mesmo, cheia de símbolos daqueles de paz e amor, colorida em tons pastéis ou azul calcinha, flores e adesivos retrô, com aquele cachorro que balança a cabeça grudado no painel e todo espaço do mundo para acomodar as quinquilharias adentro.

Tinha que ter a prancha amarrada em cima, e a bicicleta atrás.

Daquelas que a gente para nos mirantes da vida pra ver o pôr do sol, sentado no teto, tomando uma cerveja, causando inveja e comoção nos transeuntes endinheirados, em seus ternos bem lavados.


 Daria carona aos pobres passantes (ricos também, de preferência os de espírito), mas em troca pediria uma entrevista, daquelas em que nos enriquece a alma, daquelas que nos dão sorriso e que puxam as histórias mais tristes, afinal de contas, o mundo é feito de experiências vividas, e sábio aquele que consegue aprender com os erros e acertos dos outros. Anotaria tudo num caderninho.


 Sonho ter a vida simples como a manutenção de seu motor, que por aí dizem que se conserta com um pedaço de arame e um alicate, mas me faltam "cojones" para cair nessa estrada, nesse way-of-life. A vida imagino, deveria ser bem mais bela se possível consertada com um pedaço de arame e alicate, hoje é tão complicada que precisa de muita coisa, é tablet, smartphone, carro novo e Instagram.

Sair por aí, descer a serra livre sem trânsito de feriado prolongado, devagar e sempre, como se fazia antigamente, pausas para esfriar o motor e a cuca, se fumasse, acenderia um cigarro e faria sinais de fumaça pra matar o tempo.

Encostaria a lata velha em algum canto de praia, de olho na maré, fecharia as cortinas, armaria a mesa ao lado, puxaria uma lona pra fazer de varanda, ligaria o lampião, contemplaria o pôr do sol e acompanharia a loucura dos insetos da noite rodeando a luz alimentada de querosene.

Pescaria nas manhãs o almoço rico em proteínas, puxaria uma rede e me contentaria numa caneca de café com um livro daqueles sem tempo pra acabar, tempo não me atinge nesse lugar, nesse estado (de espírito), nesse canto de mar.

Escreveria a todos cartas de próprio punho, coisa do passado, mas que ainda causa calafrios nos desavisados, aquele papel colocado na caixa do correio vindo sabe-se lá de onde, daqueles que vem com o cheiro do lugar, que se lê imaginando o cenário, sentindo o vento que batia quando ali alguém escreveu, do borrado de algumas gotas de chuva de um entardecer nublado, de um amassado do balanço na rede.

Contaria em minhas cartas as amizades que por ali fiz, dos personagens de uma história corrente, dos desatinos dos finais de semana febris, dos problemas de uma vida simples e seus consertos a base de arame, da engenharia antiga de como se lavar a roupa na beira do rio.

Escreveria sobre o futebol de fim de tarde caiçara botando apelido em todo mundo, tomaria cachaça de vez em quando só pra acompanhar os velhos, ajudaria a puxar a rede de arrastão pra ver se ganharia desconto num peixe gordo, e quando naquele lugar, todos soubessem meu nome, então seria hora de partir, buscar por outro canto, outras histórias, ver mais estradas, riscar outros mapas - deixar se perder.

Monday, 7 January 2013

Da inquietude do ser


E de algum lugar eis que li, que se o homem em seu escritório, no meio de sua "baia" não consegue manter seu pé sem bater um segundo, daquela anciosidade corriqueira, eis que não conseguirá pois em sua diminuta semana de férias em areias brancas.


Pois bem verdade lhe digo, que esse ser que vos fala, em bons dois dias de férias conseguiu se desvencilhar desse mal costume, tirou de seu ser os prédios cinzentos, o ar sujo de petróleo refinado, sacou da alma toda aquela ganância de quem busca o fim do mundo no fim do mês, por alguns dias deixou de pensar nas contas e seus credores, pensou mais naquele que de alguma forma, criou tudo isso, e sem gravata ou ponto para bater.


Vão se alguns dias até que se deixe de bater o pé incessantemente e deixe que o tempo tome seu rumo, mas depois desses dias, até o ponteiro do relógio parece descansar. Vão se as horas, devagar, mas ficam os dias. Ficam de tal maneira que nos lembramos cada segundo daquilo que descansamos, daquelas horas "perdidas" ao sol, da energia que o astro rei nos devolveu. Em nossa pele a tatuagem de uma cor que só vem depois que relaxamos, que nos entregamos ao dia, quando ouvimos e aceitamos o "carpe diem".


Criticados são os inquietos da nova era, dos check-ins alucinados, das fotos postadas gradativamente de seus bons momentos, dos que não se desligam do virtual, mas confesso que assim como outros, os segundos gastos com o mundo virtual só acontecem quando não há muita coisa lá fora para se fazer, no meio de uma madrugada, num saguão aborrecido de aeroporto, em pequenos minutos que queremos não compartilhar nosso bem-viver, e sim a vontade de estar juntos ali, naquele momento que vale a pena.


Viajar é preciso, descansar é necessário, e o importante é saber que o melhor da vida, a gente faz offline =)

Monday, 16 April 2012

...times like these











he: I've got a question...
she: go ahead!
he: I usually tend to go too far..
she: I know..
he: well.. I've got a crush on you... more like love, actually.
she: we are best friends !
he: I know.. let's make the most of it ?
she: not possible..
he: why ?
she: things are gonna change..
he: I promise it won't..
she: that's the problem.
he: I don't understand !
she: I won't change.. and there's a part of me that must be changed so I will not screw people's life up. You are gonna get hurt.
he: what doesn't kill you, makes you stronger, and I'm fucking Superman by now.
she: You are funny.
he:...and you are beautiful.
she: you are also a liar...
he: only when I'm awake..
she: god damned, can you stop smiling like this ?
he: just trying to seduce you..
she: what was the question, by the way ?
he: let's runnaway...
she: from here ??? now ??
he: from everything, whenever you like, I'm your driver..
she: don't ask twice..
he: let's runnaway ?
she: you are on a mission, ain't you ?
he: till the end..
she: what should I do with you ?
he: I've got plenty of really nice ideas..
she: come on, be serious, you are killing me with those eyes..
she: seriously, this is not a good time.. don't take advantage of me.. I'm not kidding..
he: seriously, I wanna fix whatever is broken inside..and keep the whole thing for me once is restored.
she: oh my god, you are really serious...
he: that's what I'm trying to say to you for about an hour baby..
she: I swear I'm gonna go crazy... this is too much for a conversation over a drink...
he: well, you should have told me before I had those many drinks..
she: why me ? just now ?
he: she is funny, she is smart, she is beautiful and hell, she got that smile on her face... and the truth ? wasn't just now..it's been a long while..
he: I know I'm not marriage material, but I can make it work..and I'm wearing the same perfum over and over..
she: what's it about ? with the perfum ?
he: when I'm not in love, I wear different perfum, every night, every day, so no one will get attached to it, and create a memorie of it when thinking of me.. big rule nowadays.. don't get too close, unless you are prepared to get hurt in the process...
she: you are too intense..
he: ...and so are you.
she: you are unbelievable.
he: ...and you know all my secrets.
she: and you scared the hell outta me.
he: that was necessary... starting fresh... trusting.
she: so, why did you stop mailing me ?
he: because wasn't enough..
she: ...

Monday, 2 April 2012

Ser humano

Sou só humano...

...desses daí, que andam pelo mundo, com os pés descalços, roçando beira de estrada, tropeçando em pedra do caminho, que pega e atira essa pedra no rio e em janela de casa abandonada.

Herói-salvador tem aqui não, tem é João, daquele que erra, daquele que de vez em quando acerta, que sorri para tudo, que pára o sorriso quando é tudo e esse tudo é demais. Humano desses que sobe e desce serra, só pra ver o mar, só pra molhar as canelas, guardar o cheiro de maresia e trazer consigo enlatado num apanhado dentro da sacola.

Desses humanos, bem dos normais, que arranca livro ensebado do sebo por miséria, e transforma em cultura de botequim, que espalha mundo afora segredos só visitados pelas traças daquela rua úmida, de um quarteirão mal-cheiroso de um bairro velho num centro histórico qualquer.

Vez em quando vem a donzela sentar do meu lado, escutar as trovas, um tiquinho de violão desafinado, chama de "poeta", "benfeitor", "dom", "seo João", "seo galanteador", um quão qualquer, um nome sequer. Sabe ela não dos perigos dessa terra, do cunho impróprio das histórias e suas lendas, da verdade entranhada no ramo de uma roseira, daquilo que escondo entre um cochilar e outro, das coisas que não ei de soltar nem com pena de morte.

Quisera eu, humano que sou, ter tais poderes, daqueles que curam, daqueles dos santos, para tirar de ti a dor, soprar pra longe e inflar-te de melhores dias, de melhores noites, noites enluaradas com sonhos dispersos pelas madrugadas, soltos num travesseiro branco, presos somente pelas telas brancas e leves rendadas ao redor da cama, daquelas que nos protegem dos insetos barulhentos que nos roubam a paz.

Queria eu, ser menos humano, pouco mais santo, pouco menos demônio, pouco mais insano, menos Terráqueo, menos de Marte, mais de Plutão, mais eterno, posto que é chama, eterno enquanto dure, eterno enquanto foge, eterno enquanto não encontra, e quando encontrar, que volte à humanidade, um pobre mortal, para que haja o medo da morte, e que esse medo alimente o valor dos segundos que respiras, para dar valor ao que se têm e não ao que pudera ter.

Ser humano às vezes é tão solitário e ao mesmo tempo tão necessário, ser humano às vezes é a melhor solução, mas nem sempre é a melhor saída. 

...e é por essas vias de terra, de chão batido, que sigo meu caminho, em busca de algo maior, da evolução do ser, para talvez, algum dia, encontrar aquilo que já não é mais humano, algo melhor, evoluído, menos complicado, mais etéreo, menos palpável, mas tragável, mais simples em sua composição, menos cheio de sua composição, e por olhar tanto para o céu e suas estrelas nessa busca e sonho acordado, que tenho meus pés tão machucados, por não ver as pedras, tão terrenas, que insistem em ficar pelo meu caminho, e humano que sou, sigo descalço, teimoso, por esse mundo, tão humano.

Thursday, 23 February 2012

Rise and Fall

...Quisera ele, deixar essa estranha dor de lado, do inconsciente, inconsequente ser que assola o pobre mortal, que mesmo de aviso, ainda assim cai nas garras do destino, esse indomável em forma de qualquer, mulher, cabelos longos, unhas e dentes.

...deixara ele ser sugado por tamanha paixão, veneno daqueles que matam devagar, lento como se movem as dunas no Sahara, sem medo, escrevera como louco por noites a fio, e se assim não fosse, as vozes o deixariam em estado catatônico pela manhã de sol, sem luz em seus olhos, sem calor em sua respiração.

...o que acontece de verdade é que a cada palavra escrita, é como se fosse um pedaço arrancado daqui, e no fim, haverá somente alma, irrefutável, etérea, inóspita num mundo cinza, prestes à amanhecer e mostrar suas luzes.

...e mesmo sabendo, do perigo que o rodeava, do amor que já o havia tomado por outras vezes, e que tantos anos lhe roubou, sua juventude, sua alma, sua força e vitalidade, deixando como pó o homem solto naquelas dunas do tempo, o qual por milênios, assim parecia, tomou forma novamente, grão à grão de areia, tornando-se novamente aquele que nascera para ser, inteiro, sem meias metades, sem meios termos, completo de novo.

...e pronto para se perder de novo, embarcou ele em mais um destino sem volta, abrindo caminho por entre, céu, terra e mar, cortando o fogo daquele inferno de Dante, deixando para trás os conselhos dos mais sábios, aventurou-se por entre o desconhecido, vingou-se do conhecido, sorriu para os descrentes, mostrou os dentes para os crentes, soltou a vela daquele barco e pôs-se a cantar rumo à um norte qualquer.

...e as cartas já não as leio mais, mas perceba, não me desfiz, em algum lugar ficará por muito tempo, uma eternidade, e quem sabe um dia, em que eu busque por um amor daqueles de filme, daqueles que funcionam como nos sonhos, só então procurarei aquelas palavras soltas ao vento, quem sabe para inspiração, quem sabe apenas para recordar uma juventude irresponsável onde brincávamos com os sentimentos uns dos outros. 

O mundo deixou de ser seu quintal por um tempo, já não via mais a passagem por entre a cerca estreita com ramos soltos convidativos, já não enxergava as portas abertas da sala em direção à rua, a janela deixou de ser um alento aos seus sonhos.

Dessa mesma janela do alento, um dia à pouco saiu em direção ao céu, como Ícaro, quis chegar até o sol com asas de cera, muito próximo cheguei, pude tocar com minhas mãos o calor intenso, e de tão próximo, me queimei e tive cicatrizes, ficarão por um longo tempo, mas vai passar, já tem passado.

Decidi fechar os olhos, procurar sentir uma brisa de qualquer que fosse a direção do vento, me deixar guiar, e com coragem, vesti novamente as botas gastas,o jeans malhado, e a camisa de forro velho, fiz a barba, lavei os cabelos, apertei o laço da bota e o cinto velho, com esforço me levantei daquela cadeira antiga deixada no canto da sala, deixei a preguiça me tomar por um instante, por pouco quase desisti, mas com alguns tapas nas pernas cansadas, espantei o pó, puxei uma gaveta daquele armário ancião, arrastei de dentro a mochila ranzinza, que teimava em reclamar, já se dizia aposentada, já não mais queria me servir.

Com um pouco de brutalidade empurrei coisas dentro daquela mochila de uma outra era, de um passado glorioso, suas alças já não eram as mesmas, rôtas, gastas e quase esfarelando, à ponto de arrebentar a qualquer segundo, pedi com gentileza que me agraciasse somente uma vez mais, e então à deixaria descansar por uma eternidade...

Nessa época da vida já se foi atingido várias vezes pelo amor e este já não evolui por si mesmo segundo as suas próprias leis desconhecidas e fatais, ante o nosso coração atônito e passivo.


Uma vez mais me deixo levar, pela estrada, sem rumo, sem defesas, sem pressa, trazendo comigo aquilo que me faz bem, pronto para tudo, que me leve outra vez para aquele porto seguro, de onde partirei naquele barco ancorado a minha espera, em direção ao norte, mas não um norte qualquer.