Thursday 4 August 2011

Caminhos

O menino saiu pelo portão principal da escola, em meio a um alvoroço de crianças correndo a encontrar seus pais e em berros pela felicidade de um Natal próximo, ele calmamente caminha em seu uniforme, mochila pendurada no ombro, cabeça cabisbaixa, sentindo as pedras debaixo de seu tênis gasto, pára, olha uma vez mais para trás, o pátio agora vazio, professoras com lágrimas no olhos nas portas das classes, um inspetor de alunos alto, magro, escondido atrás de seus óculos mostrava uma tristeza indefesa, o diretor em frente a secretaría mantinha um ar sério porém sem convencer pelo histórico de semi-embreaguez diário, brincava com seu bigode enrolando as pontas como aquele personagem mau do desenho animado.

Mesmo depois de tantos momentos difíceis naquele lugar, diferenças sociais, bullying, falta de entendimento, angústia e dificuldades, o menino se volta com tristeza, continua em direção ao portão, deixando para trás aquele lugar para nunca mais voltar.

Ele passa pelo portão, toca o muro por uma vez mais, como que deixando parte de sua alma enterrada ali, levanta a cabeça e a vê, indo já ao longe, entre outras crianças era fácil distinguir seus cabelos dourados ao vento e reluzindo o sol, seguia em seu sorriso que por dias parecia pura energia do céu, em que outros, pura demonstração de sua geniosidade. Foi a última vez em que ele viu a menina mais bonita daquela escola, o ano letivo acabara, cada um dos alunos seguiria para um novo lugar e amizades ficariam no passado, saudades ficariam no esquecimento, velhas amizades seriam substituídas por novas e cada qual teria um rumo diferente em sua vida.

Os dias passaram devagar naquele final de ano, e um livro achado numa estante empoeirada foi um dos melhores amigos do menino naqueles tempos difíceis, talvez pela semelhança do personagem, alguém também jovem, um pequeno pastor das terras espanholas na Andaluzia, que teve em um de seus sonhos a visão de um tesouro enterrado, numa terra longíqua, distante de seu lar, sua família e amigos. O pastorzinho então embarcou numa jornada de aventuras que tomou grande parte de sua vida e onde teve encontros com personagens que definiram não só seu caráter, mas grande parte de quem o homem se tornou no final.

A história dos dois, a literal e a do menino recém saído da escola se confundem depois de alguns anos, ele, o menino, também teve sonhos, promessas de aventuras, como uma força inexplicável que indicava também um caminho, uma jornada nada fácil, longa e árdua, até um destino onde seria recompensado afinal.
O menino atravessou mares, florestas, montanhas, vulcões, por terra, água e ar, nada o parou, nada o saciava, o sonho se tornou uma obsessão assim como no livro, a busca era o alimento de sua vida, sentia como se aquele tesouro fosse parte da sua alma dividida em outra época da história do mundo e que nesse momento precisaria reencontrar para justificar sua essência.

Os sinais que encontrara depois de anos em sua jornada começaram a confundi-lo, diferente do livro, nada parecia fazer sentido, ja havia conquistado o mundo e mesmo assim sua sede o impedia de encontrar a paz que imaginava ser o final de contas, nada mais o satisfazia e a volta pra casa era iminente, já nao restava muito mais a fazer, havia perdido grande parte de sua fé.

Vinte anos haviam se passado, o menino que um dia saiu daquele portão em direção ao mundo, resolveu voltar, já homem, para o lugar de onde veio. Mas antes, precisaria atravessar todo o mundo novamente, e em uma de suas últimas noites numa terra do sol nascente, em um navio em meio ao mar, meio acordado, meio adormecido, entre o balanço das ondas e a escuridão de um céu iluminado de longe por estrelas, teve um último sonho, algo que deixou em seu coração uma exatidão de sentimentos, como uma bússola, que o deu a certeza de estar em seu caminho novamente, certo e seguro, como seguir seu norte até seu porto seguro, pois era lá que se encontrava de verdade seu tesouro, o dourado da visão que tivera no início de sua jornada não era ouro, era o cabelo daquela menina de sua infância, a luz do sol na terra, a chama clara de um fogo que não se extingue.

Diz a gente toda por aí que fala-nos dos sonhos possíveis, não impossíveis, de como afinal aquilo que procuras está sempre mais perto do que pensas, e o menino, já homem, acreditou.

... e como disse aquela antiga história no livro à vinte anos atrás,

"O seu coração está onde está o seu tesouro. E seu tesouro precisa ser encontrado, para que tudo possa fazer sentido."